Caso Pinochet e os Direitos Humanos
Qual seria o motivo de se abordar em um mesmo trabalho o caso Augusto Pinochet com a questão relativa aos Direitos humanos? Qual seria o motivo que levaria um estudioso a ligar estes dois temas aparentemente distintos, sendo que de um lado encontraríamos o imbróglio envolvendo assuntos como o da extradição, da imunidade dos chefes de Estado e de outro seríamos expostos ao assunto referente aos Direitos Humanos? A resposta possível à essas duas questões reside na constatação evidente de que o caso Augusto Pinochet deve ser analisado sob a ótica de uma concepção universal dos Direitos Humanos. Essa idéia de universalidade dos Direitos Humanos está consubstanciada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela resolução n Ί 217 A ( III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, a qual foi assinada pelo Brasil na mesma data. Esta condição de universalidade dos Direitos Humanos acarreta algumas possíveis conclusões, dentre as quais podemos citar duas de indiscutível importância: a) passando os Direitos Humanos a constituírem interesse da comunidade internacional, a soberania do Estado, até então inatacável, passa a sofrer abalos em virtude desta nova visão consistente na idéia de universalidade dos Direitos Humanos; b) a cristalização do indivíduo como sujeito do Direito Internacional.
Antes de entrarmos no mérito do caso envolvendo a extradição do ex ditador Augusto Pinochet, abordaremos de forma sintética o assunto Direitos Humanos, procurando perscrutar os fundamentos deste direito, o qual tem por finalidade proteger a vida, a liberdade, a integridade física, a liberdade religiosa, e a dignidade do ser humano.
Os Direitos Humanos
No decorrer da história da humanidade, vários documentos contemplaram em seus textos a questão concernente aos Direitos Humanos. A seguir, serão citados alguns destes documentos:
Os Direitos Humanos têm como substrato o direito natural. O direito natural parte da idéia da existência de um ser humano essencial. Esta idealização do ser humano precede o ser humano concreto. Esta essência do ser humano é constituída de certos elementos, dentre os quais a integridade física, a liberdade, a vida, etc. Estes elementos constitutivos do ser humano essencial transfiguram-se na forma de valores, ou seja, a vida é um valor, a integridade física é um valor e a liberdade também é um valor. O direito positivo vai traduzir esses valores em normas positivas ( escritas), como no exemplo do artigo 121 do Código Penal Brasileiro, o qual tem por finalidade tutelar a vida das pessoas ( objetividade jurídica). Portanto, o ser humano tem uma definição ideal ( imutável), constituída de valores que devem ser respeitados.
O processo de criação deste conjunto de normas visando proteger os mais elementares direitos do homem foi longo e penoso. Esta evolução dos Direitos Humanos tem início com a decadência do sistema feudal de produção. Durante o feudalismo prevalecia o sistema de governo caracterizado como Absolutismo. Neste sistema, o cidadão só tinha direitos em face de outro cidadão, enquanto em relação ao Estado só tinha deveres. Se o soberano de determinado país adotasse como religião oficial do Estado o catolicismo, não restava outra alternativa ao seu súdito senão a de seguir também a fé católica. Com efeito, o súdito não tinha o direito de seguir uma religião contrária àquela estabelecida pelo Estado. Mas com o início da Idade Moderna, esta concepção de Estado onipresente e onisciente começa a mudar, no sentido do surgimento de correntes de pensamento que começam a valorizar o indivíduo em face do Estado. Assim sendo, o Estado começa a ter deveres em relação aos seus súditos, dentre os quais o primeiro a se destacar é o dever do Estado de respeitar a escolha religiosa por parte do seu cidadão é a liberdade religiosa. Neste sentido, o artigo 5 Ί , inciso VI, da Constituição Federal de 1988 ( Brasil) : é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias. A seguir outros deveres do Estado em relação aos cidadãos vão surgindo, como a obrigação de respeitar a integridade física das pessoas. Neste sentido, o artigo 5 Ί , inciso III, da Constituição Federal de 1988 ( Brasil) : ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Denota-se de toda esta exposição que estamos tratando da relação jurídica existente entre um determinado Estado e o seu cidadão ( nacional). O problema se apresenta quando esta relação vai além das implicações internas entre o Estado e o seu cidadão. A idéia dos Direitos Humanos Universais vai exatamente neste caminho, pelo qual quando se trata de violação aos direitos humanos, o indivíduo passa a ser sujeito do direito internacional, dispensando a intermediação do seu Estado de origem para a aplicação da norma jurídica internacional. Esta idéia do ser humano como centro do direito internacional imperou no mundo durante os séculos XV e XVI ( vigência do jusnaturalismo). Posteriormente, com o advento do positivismo, o Estado passa a ser o único sujeito do Direito Internacional. Imperava a idéia do voluntarismo, onde só se levava em conta a vontade dos Estados, dando azo às duas grandes guerras do século XX. No final da década de quarenta, o jusnaturalismo é retomado, fazendo com que se aceitasse o ser humano como sujeito do direito internacional, ao lado dos Estados e das Organizações Internacionais. Esta idéia do ser humano como sujeito do direito internacional ajuda a resolver certos problemas, tais como o de como se responsabilizar uma pessoa física pelos crimes cometidos por um Estado. O Tribunal de Nuremberg, no final da Segunda Grande Guerra Mundial, foi instalado para julgar diretamente os crimes cometidos pelos nazistas durante a guerra, sem nenhuma intermediação do Estado alemão. Aplicavam-se as penas diretamente às pessoas envolvidas nas violações aos direitos humanos.
Desta forma, vai se formando a idéia do Direito Humano Internacional, aplicando-se as penas diretamente aos indivíduos envolvidos com violações aos direitos humanos, sem que haja consentimento de seu Estado de origem. Como exemplo atual, podemos citar a criação do Tribunal Penal Internacional em 23 de fevereiro de 1993, mediante resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que visa julgar pessoas tidas como responsáveis por graves violações do direito humanitário internacional, cometidas no território da ex Iugoslávia, a partir de 1991. Em março de 1998, o próprio presidente da República Sérvia, Slobodam Milosevic, foi formalmente indiciado pelo TPI, acusado de uma série de crimes contra a humanidade. Denota-se, neste caso, o que já foi afirmado alhures, a aplicação direta do direito internacional sobre uma pessoa física ( no caso, o presidente da Sérvia, Slobodam Milosevic), sem o consentimento/intermediação do seu Estado de origem ( República da Sérvia).
Caso Pinochet
1)Cronologia
2)Posição Favorável ao pedido de extradição efetuado pela Espanha.
3)Posição contrária ao pedido de extradição efetuado pela Espanha.
4)Conclusão
1 - Cronologia do Caso Augusto Pinochet
16 de outubro de 1998 Polícia britânica detém o ex ditador chileno Augusto Pinochet, atendendo a pedido do Juiz espanhol Baltasar Garzón.
28 de outubro de 1998 - O Superior Tribunal de Londres decide que Pinochet tem imunidade porque era chefe de Estado na época dos crimes a ele atribuídos, mas informa que Pinochet deverá aguardar preso o recurso que foi interposto na Câmara dos Lordes, que é a mais alta instância jurídica da Grã Bretanha. A questão legal discutida neste julgamento foi o questionamento sobre que atos podem ser considerados como realizados na condição de Chefe de Estado. Os juizes que acataram a tese vencedora da imunidade, defenderam a seguinte argumentação: Pinochet gozaria de imunidade com respeito aos atos cometidos como chefe de Estado ( ainda que fossem atos reprováveis perante os direitos humanos), pela simples razão que esses atos devem ser atribuídos ao Estado e não à pessoa física de Pinochet. Inconformada com a decisão da Alta Corte Britânica, a Espanha apelou dessa decisão para a Câmara dos Lordes.
25 de novembro de 1998 - Os Lordes decidem, por três votos a dois, que a decisão de prender Pinochet foi legal. Dessa forma, modificam o julgamento proferido pelo Divisional Court ( Alta Corte Britânica).
9 de dezembro de 1998 - Ministro britânico do interior, Jack Straw, diante da decisão da Câmara dos Lordes, autoriza que se dê início ao processo de Extradição.
17 de dezembro de 1998 - A Câmara dos Lordes decide reanalizar a própria sentença de que Pinochet não tem imunidade, pois Lorde Hoffman, que deu o voto de minerva, é membro da Anistia Internacional, contrária à Pinochet. Esta ONG luta pelo julgamento de Pinochet e esteve representada por um advogado durante a audiência.
24 de março de 1999 - Os Lordes decidem, por 6 votos a 1, que a detenção do ex ditador chileno foi legal, e o fato de ele ter sido chefe de Estado não o deixa imune a um processo por violação aos direitos humanos. Mas foi concedida uma pequena vitória à Pinochet, constante da decisão de que Pinochet só poderá ser julgado pelos crimes cometidos após 1988, data em que a Inglaterra incorporou ao seu ordenamento jurídico a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ONU. Esta Convenção torna extraterritorial o crime de tortura. Esta decisão diminui bem o número de crimes imputados ao ex ditador chileno e ainda traz conseqüências para a Espanha, já que se o processo de extradição for aprovado, a Espanha, no julgamento contra Pinochet, deverá ficar adstrita aos crimes cometidos após 1988. Isto se dá, em virtude da convenção européia sobre extradição, que permite a um Estado julgar um acusado só pelas acusações pelas quais ele foi extraditado. Esta decisão deixa clara a tendência de universalização dos direitos humanos. A importância dessa decisão reside principalmente no fato que esta é a única chance de Pinochet ser punido pelos seus crimes. Fora desta hipótese de ser julgado na Espanha, Pinochet jamais seria punido no Chile. Em primeiro lugar, há o decreto lei 2191/78, a famosa lei da anistia, redigida para perpetuar a impunidade dos militares que participaram dos crimes cometidos durante o estado de sítio que durou de 11 de setembro de 1973 a 10 de março de 1978. Além disso, Pinochet se valendo de sua astúcia, autodenominou-se Senador vitalício, pretendendo dessa forma se valer do instituto da imunidade parlamentar, pela qual o resguardaria de qualquer julgamento pelos seus crimes, no Chile ou no exterior.
15 de abril de 1999 - O ministro do interior britânico, Jack Straw, anuncia sua decisão de autorizar a continuidade do processo de extradição do ex ditador chileno Augusto Pinochet.
Próxima Audiência: A audiência inicial do processo de extradição de Pinochet foi marcada para 27 de setembro de 1999. Obs: O governo da Espanha rejeitou o pedido feito pelo governo chileno para que o processo de extradição do ex ditador Augusto Pinochet Ugarte tivesse uma arbitragem internacional ( jornal O ESTADO DE SÃO PAULO edição do dia 15 de setembro de 1999 pág. A15).
2 - Posição Favorável ao pedido de extradição de Pinochet
Abordaremos, a seguir, dois posicionamentos distintos sobre o caso Pinochet. Primeiramente, iremos analisar a posição daqueles que entendem que a prisão do ex ditador chileno Augusto Pinochet é amparada legalmente. Em seguida, iremos analisar a posição daqueles que são contrários à prisão de Pinochet.
Pinochet foi acusado pelo juiz espanhol Baltasar Garzón de genocídio, terrorismo, torturas e crimes contra a humanidade. No que diz respeito ao crime de tortura, há uma convenção da ONU contra a tortura ( Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes 1984) ratificada por dezenas de países, inclusive pelo Chile, pela Inglaterra e pela Espanha. Desta Convenção decorrem obrigações jurídicas internacionais para os Estados partes e direitos fundamentais para os indivíduos. Por ser um crime internacional, a competência para julgar crimes de tortura é fixada de forma diferenciada, segundo o artigo 5 Ί , "c" da citada Convenção. O artigo 1 Ί da Convenção traz o conceito de tortura, qualificando-a como qualquer ato pelo qual sofrimentos físicos ou mentais são infringidos a certas pessoas, com o fim de obter informações ou confissões. Para o pedido de extradição, será levado em conta não só o lugar do crime mas também o Estado de nacionalidade da vítima ( artigo 8 Ί da Convenção). O artigo 9 Ί da Convenção prevê que os Estados partes prestarão entre si a maior assistência possível, em relação aos procedimentos criminais instaurados relativamente a qualquer dos delitos previstos no artigo 4 Ί da Convenção. Com a ratificação desta Convenção, o Chile não poderá alegar afronta à sua soberania. Porquanto, no livre exercício de sua soberania, o Chile ratificou a Convenção contra a tortura. Segundo o artigo 26 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé ( Pacta Sunt Servanda). Ainda sobre a questão da soberania, é importante trazer para o nosso trabalho o novo conceito de soberania que toma conta de nossos dias. Atualmente, a soberania é vista sob o ponto de vista relativo e não mais absoluto. O mundo atual já não concebe mais uma concepção de soberania absoluta. Mais do que nunca, neste final de século XX, temos visto uma série de exemplos que demonstram este processo de perda de força da idéia de soberania absoluta. O exemplo mais corrente diz respeito à globalização econômica, isto é, a formação de blocos econômicos ( NAFTA, MERCOSUL UNIÃO EUROPÉIA), os quais vão paulatinamente derrubando as tarifas alfandegárias, fazendo com que os produtos de um país sejam exportados para outro país sem necessidade de se pagar taxas de exportação e importação. Outro exemplo desta soberania relativa reside no exemplo europeu. Foi a entrada em circulação da moeda unificada européia EURO que obrigou os países da União Européia ( com exceção da Inglaterra) a abrirem mão de um símbolo máximo da soberania de qualquer país a sua moeda nacional. Nesta linha de pensamento, a contribuição de Jorge Barrientos Parra: " Existem limitações necessárias que se impõem em razão da própria natureza da soberania e dos objetivos do Estado. Assim, este deve realizar o bem comum e só poderá fazê-lo respeitando os princípios permanentes do Direito e da Moral. Toda autoridade deve pautar as suas ações de acordo com os princípios universais da justiça, equidade e dever moral. Se não o fizer, é legítimo que se proceda a uma intervenção externa para impedir um genocídio ou julgar os autores materiais e intelectuais de crimes contra todo um povo. Exemplos expressivos são a intervenção da OTAN na ex Iugoslávia, a constituição de um Tribunal Penal Internacional ( TPI) para aquele país com sede em Haia ( Holanda), a constituição de um TPI para Ruanda com sede em Arusha ( Tanzânia) e a aprovação por 120 países do Estatuto da Corte Penal Internacional ( CPI), que julgará os crimes de lesa humanidade" ( Texto extraído da RT n Ί 763, de Maio de 1999 88 Ί ano Doutrina Penal Terceira Seção páginas 465 a 474). No que diz respeito à Lei de auto anistia baixada pelo governo chileno em 1978, ela não poderá afastar o cumprimento de obrigações internacionais assumidas com a ratificação da Convenção. Ainda sobre esta Convenção, a Inglaterra ratificou-a em 1988, ocasionando uma situação de alívio para Pinochet. Isto porque a Inglaterra incorporou a Convenção à sua legislação somente em 1988, fazendo com que em 24 de março de 1999, a Câmara dos Lordes decidisse que Pinochet não pode ser processado por nenhum ato de tortura anterior à 1988. Assim sendo, as acusações feitas pelo magistrado espanhol diminuíram de 30 casos para somente 3 casos. Com efeito, a jurisdição espanhola, se efetivamente Pinochet for extraditado, ficará adstrita à estas três acusações, em virtude da convenção européia sobre extradição permitir a um Estado julgar um acusado somente pelas acusações pelas quais ele foi extraditado. Neste sentido, trechos do julgamento do dia 24 de março de 1999: Lorde Nicholas Browne Wilkinson: " Eu autorizaria os procedimentos para a extradição ( pedida pela Espanha) sob a alegação de que foi cometida tortura pelo senador Pinochet após 8 de dezembro de 1988 ( dia em que a Grã Bretanha ratificou a Convenção Internacional de Tortura), quando ele perdeu sua imunidade; Lorde James Hope : " eu autorizaria o apelo, na extensão necessária para o prosseguimento do processo de extradição, com base nas acusações de tortura e conspiração para tortura relativas ao período após 8 de dezembro de 1988"; Lorde Peter Millett : " O senador pode ser extraditado para a Espanha para enfrentar acusações relativas a crimes na Espanha e a tortura e conspiração para tortura onde e quando tenham ocorrido"; Lorde James Hutton : " O senador Pinochet não pode clamar imunidade quanto a conspiração para tortura e atos de tortura alegadamente cometidos por ele após 29 de setembro de 1988 ( quando a extraterritorialidade desse crime foi admitida pela legislação britânica). Portanto, eu autorizaria o apelo".
A questão da jurisdição universal : Ao pedir a extradição do ex ditador chileno Augusto Pinochet, a Espanha fez uso do valor denominado jurisdição universal compulsória, considerando o crime de tortura como uma afronta a toda a humanidade. A Espanha adaptou seu Código Penal no sentido de poder processar pessoas acusadas de tortura fora de suas fronteiras artigo 5 Ί da Convenção da ONU contra a Tortura "c" quando a vítima da tortura for um nacional, aplica-se a lei nacional, não se importando o local onde o evento ocorreu. A jurisdição universal seria uma espécie de globalização da justiça, fazendo um paralelo com a tão decantada globalização econômica de nossos dias. Neste sentido, as atrocidades cometidas em um determinado país não dizem respeito somente a este país, mas constituem objeto de interesse de toda a humanidade. Assim, entende-se que os direitos humanos são universais, as pessoas têm o direito à verdade e à justiça e os crimes contra a humanidade, que constituem objeto da jurisdição universal, representam uma afronta ao Direito Internacional, para os quais o tempo não pode extinguir a punibilidade.
3 Posição Contrária à Prisão de Augusto Pinochet.
A detenção de Pinochet em Londres é conseqüência de uma interpretação precipitada da questão dos direitos humanos. Afinal de contas, as leis que tratam sobre os direitos humanos possuem um conteúdo um tanto vago, dúbio e aberto a várias interpretações. Neste contexto, o juiz espanhol Baltasar Garzón pediu a extradição de Pinochet, para que o mesmo seja levado para a Espanha, onde será julgando por crimes cometidos contra cidadãos espanhóis que residiam no Chile por ocasião de sua ditadura. Esta interpretação dos direitos humanos efetuada pela Espanha dará ensejo a uma série de desdobramentos num futuro bem próximo. Entre esses desdobramentos, podemos imaginar um caso hipotético envolvendo um juiz italiano que peça a extradição do Presidente norte americano Bill Clinton, que estivesse fazendo uma viagem pela França. O hipotético pedido de extradição teria como fundamento a morte de um cidadão italiano durante os bombardeios realizados contra a Sérvia. Poderíamos ir ainda mais longe com a nossa imaginação, elaborando o seguinte caso: um juiz inglês pediria a extradição do ex governador do Estado de São Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho, que estivesse passando férias com a família pelas paradisíacas terras da Itália; pelo fato de Fleury ser o governador do Estado na ocasião do massacre dos 111 detentos ocorrido no Presídio do Carandiru ( tudo com base na idéia dos direitos humanos universais).
No que diz respeito à jurisdição universal, está não pode ser aplicada ao caso Pinochet. Isto porque a jurisdição universal compulsória só estará valendo com a instalação da Corte Penal Internacional ( Tratado de Roma), que ainda necessita da ratificação de 60 países. Esta corte terá competência para julgar crimes contra a humanidade, de guerra e de genocídio. Foram 120 países que votaram a favor de sua criação ( incluindo o Brasil) e sete votos contra ( Estados Unidos da América, China Turquia, etc). Não obstante, mesmo que a Corte Penal Internacional já estivesse instalada, ela não seria competente para julgar o caso Pinochet. Isto em função da Seção II, artigo 28 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Este dispositivo diz que o tratado não pode retroagir para alcançar os crimes cometidos por Pinochet quando era chefe de Estado ( Irretroatividade de Tratados).
A Corte Internacional de Justiça também seria incompetente para conhecer e julgar o caso Pinochet. Essa incompetência deriva do seu artigo 34, parágrafo 1 Ί , que dispõe que somente os Estados podem ser parte em uma relação jurídica processual perante a CIJ. As organizações internacionais também podem ser partes ( parecer consultivo da CIJ de 11 de abril de 1949).
4 - Conclusão
A prisão de Pinochet trouxe à tona uma série de questões complexas relacionadas com as leis internacionais em evolução sobre os direitos humanos. Antes da confusão criada pelo caso Pinochet, duas eram as formas para se punir as violações aos direitos humanos. Uma é de ordem interna: o país cuja ditadura foi deposta busca justiça contra seus tiranos invocando a legislação nacional e o direito internacional. Essa linha foi seguida pela Coréia do Sul. O Chile evitou essa solução, adotando durante sua transição democrática um pacto político, consubstanciado na Lei de Anistia, a qual declarou a impunidade ao ex ditador Pinochet ( essa solução também foi adotada pelo Brasil em 1979). A segunda forma é a convocação de Tribunais Internacionais formados com base no consenso, cuja ação é concentrada nos crimes de guerra e genocídio, como na Bósnia e Ruanda. No caso da Bósnia, foi criado o Tribunal Penal Internacional para a ex- Iugoslávia. Este Tribunal foi criado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em maio de 1993, com o objetivo de julgar os responsáveis por sérias violações aos direitos humanos isto é, à Convenção de Genebra de 1949 - , como genocídio, crimes de guerra, etc. O TPI só pode julgar os crimes cometidos no território da ex Iugoslávia. A sua criação é uma novidade jurídica, pois a sua criação não se pode apoiar na existência de um Código Penal Internacional. No caso Pinochet, poder-se ia adotar essa solução, ou seja, criar um Tribunal ad hoc para conhecer e julgar os crimes cometidos por Pinochet.
Após essas considerações, é inegável a existência de um senso comum no sentido de que os crimes contra a humanidade devem ser punidos em qualquer parte do mundo, deixando-se de lado questões como a territorialidade. Tal concepção, porém, esbarra na inexistência, até há poucos meses, de um Poder Judiciário Internacional ( a Corte Penal Internacional ainda não foi instalada Tratado de Roma). Até que se instale a Corte Penal Internacional, a qual é detentora da jurisdição universal compulsória, estaremos assistindo a um abuso cometido por juizes nacionais que, em nome da humanidade, resolvam aplicar as leis de seus países para punir crimes cometidos em outros países contra seus nacionais.
Desse modo, concluímos pela necessidade urgente da entrada em vigor da Corte Penal Internacional Tratado de Roma, o qual terá competência para julgar crimes contra a humanidade cometidos em qualquer parte do mundo.
Bibliografia
1 REZEK. José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 7 Ί ed., rev.- São Paulo: Saraiva, 1998.
2 Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ONU 1984.
3 Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP: http://www.direitoshumanos.usp.br/principal/html
4 Direitos e Desejos Humanos no Ciberespaço:
http://www.dhnet.org.br.inedex.htm
5 Convenção de Viena Sobre Direito dos Tratados.
6 Carta das Nações Unidas.
7 Declaração Universal dos Direitos Humanos.
8 - Jornal "O ESTADO DE SÃO PAULO". Edição do dia 25 de março de 1999 ( Quinta feira), Internacional 1 Ί caderno, página A18.
9 Estrutura e Funções da Corte Internacional de Justiça J. R. Franco da Fonseca. Texto extraído da obra Direito Internacional do Terceiro Milênio Editora RT.
10 RT 763 Maio de 1999. Ano 88 Ί.