PARTE I TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL
CAPÍTULO 1 TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL[1]
(https://members.tripod.com/hmjo/Dip/01I.htm)
Prof. Hee Moon Jo
O termo ¡°direito internacional (international law)¡± foi usado
primeiramente por Jeremy Bentham em
1789 em seu livro ¡°Introduction to the
Principles of Morals and Legislation¡±, provavelmente procurou o autor
precisar o termo ¡°Law of nations¡±
usado até então. Desde aproximadamente 1840, este termo tem substituído a
antiga terminologia popularmente usada ¡°law
of nations¡± ou ¡°droit de gens¡±
cujas origens remontam até o conceito Romano de ius gentium. Tal expressão foi utilizada por Samuel Pufendorf (séc. XVII) como sendo um direito natural dos ¡°Elementorum jurisprudentiae universalis¡±.[2] Entretanto, as línguas alemã,
escandinava, dentre outras,
empregam ainda a terminologia antiga, Völkerrecht, Volkenrecht, etc.
[HMJ1]Antes da Primeira Guerra Mundial não
havia grande problema em definir o direito internacional, já que à época o
direito internacional era considerado sinônimo do direito internacional público
(public international law) que rege
as relações públicas entre os países.
Durante o século XIX e até a Segunda Grande
Guerra, a doutrina positivista
tradicional (positivist doctrine)
dominou a teoria do DI. Consequentemente, os Estados foram entendidos como
único sujeito do DI no sentido de gozar de personalidade legal internacional (international legal personality), de ser
capaz de possuir direitos e deveres internacionais, e também de deter o direito de interpor ações
internacionais (international claims).[3] Por isso, a definição clássica e
restritiva seria a de Michael Akehurst:
"International law (otherwise known as
public international law or the law of nations) is the system of law which
governs relations between states."[4]
Para Celso Melo, ¡°considerando os
sujeitos da ordem jurídica internacional teríamos a seguinte definição ¡°é o conjunto de regras que determinam os
direitos e os deveres respectivos do Estado nas suas relações mútuas (Fauchille) ¡±.[5] Ainda, para este mesmo autor, outro
critério que pode ser considerado é o modo de formação das normas jurídicas, ¡°O Direito Internacional se reduz às relações
dos Estados e é o produto da vontade desses mesmos Estados (Bourquin).
(...) Jean Touscouz define o DI como ¡°o
conjunto de regras e de instituições jurídicas que regem a sociedade
internacional e que visam estabelecer a paz e a justiça e a promover o
desenvolvimento.¡±[6]
A [HMJ2]partir da Primeira Guerra Mundial
que resultou na formação da Sociedade das Nações (SN) o DI se expandiu e
surgiram novas pessoas participantes na sociedade internacional, tais como
organizações intergovernamentais criadas pelos Estados, organizações
não-governamentais criadas por particulares, grupos minoritários e pessoas
indígenas (indigenous peoples),
empresas transnacionais e indivíduos. Alguns desses sujeitos têm adquirido
firmemente personalidade legal internacional, como o caso das organizações
intergovernamentais, que, no mínimo, ganharam alguns direitos no DI, apesar
destes direitos serem outorgados por tratados concluídos entre os Estados.
Este transição foi acelerado desde a Segunda
Guerra Mundial, ajudando a alterar constantemente a definição do DI, como se vê
no Restatement (Third) of the Foreign
Relations Law of the United States do Instituto Americano do Direito (American Law Institute), segundo o ¡×101
no qual o DI:
¡°consists
of rules and principles of general application dealing with the conduct of
states and of international organizations and with their relations inter se, as
well as with some of their relations with persons, whether natural or
juridical¡±.
O Restatement anterior referia somente a ¡°those rules of law applicable to a state or
international organization that cannot be modified unilaterally by it¡±. (para.101) Por [HMJ3]esta mudança constante da sociedade
internacional que dificulta a caracterização do DI para a uma definição
universalmente aceitável, alguns juristas internacionalmente renomados como I. Brownlie deixa de definir o DI no
seu livro[7]. Algumas considerações feitas pelo Celso Mello baseadas em Michel Virally, em relação as
definições do DI são bastante oportunas, ¡°a) ¡°o DI é o local de encontro de
ideologias que dividem o mundo¡±; b) uma ciência que denomina os trabalhos sobre
ela de doutrina mostra que nela existe o argumento da autoridade; c) a grande
dificuldade de se definir o direito é que toda definição é doutrinária, daí ela
não ter nenhum valor legal.¡±[8] Por isso, o ex-Presidente da CIJ
(Corte Internacional de Justiça), Sir
Robert Jennings, enfatizou a necessidade de uma definição objetiva do DI,
considerando-se o atual uso.[9]
Então[HMJ4], como definir-se o DI na sociedade
internacional contemporânea? Antes de mais nada, como Alfred Verdross afirma que o melhor critério é o da ¡°comunidade de
que as normas emanam¡±, uma vez que ele ¡°tem por objetivo ordenações jurídicas
concretas¡±, deve-se entender as características desta sociedade. Em primeiro
lugar, se considerarmos o atual desenvolvimento do DI, não se pode negar o fato da dominância dos Estados na
formação do DI e nas relações internacionais. As organizações internacionais
(OIs) são criadas pela vontade dos Estados e, portanto, são dependentes deles
na maioria de suas atividades. As pessoas gozam em geral os benefícios do DI
através da internalização das normas internacionais com muitas poucas exceções.
Somente os Estados podem ser membros da ONU, somente eles podem chamar o
Conselho de Segurança da ONU em caso de ameaça contra a paz e segurança
internacional.[10] Somente os Estados têm capacidade
processual perante à CIJ (Corte Internacional de Justiça)[11]. E somente o Estado pode dar a
proteção diplomática aos nacionais contra outro Estado. Ou seja, o sistema
legal internacional ainda está principalmente sendo constituído pelos esforços
dos Estados de forma horizontal.
Em segundo lugar, a sociedade internacional é
composta por sociedades nacionais como um conjunto das sociedades nacionais.
Estas sociedades nacionais foram representadas legalmente e politicamente pelos
Estados-nações na época em que começou se formar as regras das relações
internacionais. Por isso, quando da formação do DI, este foi entendido como o
direito que rege as relações dos Estados-nações, já que as sociedades nacionais
foram representadas principalmente por estes. Os Estados convencionaram muitas
obrigações internacionais, algumas para reger as relações entre eles no âmbito
internacional e outras para serem aplicadas no âmbito nacional através da
internalização destas obrigações internacionais, podendo-se aplicar assim aos
indivíduos nacionais. De fato, as normas internacionais contemporâneas são
compostas de três partes conforme seu campo de aplicação. Podem ser normas que
regem as relações públicas entre os Estados e/ou organizações internacionais no
campo internacional. Ou podem ser
normas que regem as relações entre Estados/organizações internacionais e
entidades privadas. E, ainda, podem
ser normas que regem as relações
privadas das pessoas, que principalmente se aplicam através da internalização
das normas internacionais. Todos estes processos legislativos são
principalmente tomados pelos Estados. Entretanto, isso não significa que os
Estados atuam para o seu bem, mas para o bem comum daquela sociedade interna do
Estado para que os indivíduos gozam este benefício retribuído pelo esforço do
Estado.
Em [HMJ5]terceiro lugar, com a
internacionalização, mundialização e globalização da vida privada, tanto de
pessoas como de empresas, é cada vez maior a necessidade de aplicação direta
das normas internacionais nas suas relações internacionais e nas suas
proteções, devido à procura pela eficiência. Por exemplo, a sociedade
internacional tem interesse pelo controle das atividades transfronteiriças das
empresas transnacionais. Ocorre que a aplicação extraterritorial da lei
nacional provoca atrito internacional. Neste caso a sociedade internacional
poderia elaborar as normas internacionais para os Estados e organizações
internacionais, visando a aplicação direta destas normas naquelas atividades ou
poderia resolver a questão através da internalização. A sociedade internacional
pode cogitar normas internacionais para proteção dos direitos humanos, desde
que demonstre a ineficiência da proteção dos nacionais de determinado governo
por vários motivos, desde que a sociedade internacional tenha condição de
aplicar diretamente estas normas, e que tais normas contribuam para um
resultado melhor no que se refere ao objetivo do bem comum da sociedade
internacional. Um exemplo deste caso seria o julgamento dos crimes contra a
humanidade.
Em [HMJ6]quatro lugar, deve-se entender que a
característica do direito na sociedade não muda. O que muda é sua formalidade.
Ou seja, direito e a sociedade sempre existiram (ubi ius, ibi societas). O que tem-se como direito é a reflexão da
característica de determinada sociedade em determinada época. Isso porque o
direito é a norma, ou conjunto de normas, ou sistema legal, formada por vários
caminhos e maneiras de determinada sociedade, entendida naturalmente pelos
membros da sociedade que a ela estão obrigados. Por isso, a sua forma e a
obrigatoriedade legais não são importantes para a qualificação da existência do
direito na sociedade. A própria sociedade fornece e desenvolve os critérios
apropriados para se medir e para se aplicar. Não se deve ver a sociedade
internacional, nem analisar o DI com o mesmo critério do direito nacional. O
direito nacional não é um parâmetro adequado para a identificação tanto do DI
como da sociedade internacional. Visto que não se consegue a unificação dos
vários direitos nacionais devido a sua multiplicidade, seria inadequado estudar
o DI com critérios de direito nacional, que tem diversas definições. A força
legal vinculativa não é parâmetro suficiente para a qualificação do direito de
uma sociedade. A modalidade da formação do direito, sua forma de existência, a
força vinculativa, não são fatores decisivos para a identificação do direito.
Uma norma que é legal em uma sociedade, pode ser ilegal em outra. Assim, o
valor das normas diverge de uma sociedade para outra, e evolui na mesma
sociedade ao decorrer o tempo.
Então, considerando-se todas estas
características da sociedade internacional, como deve ser vista a sociedade
internacional e o seu direito pelo critério independente do DI? Primeiramente,
o DI visto simplesmente como o direito
da sociedade internacional. Esta definição geral é mais segura e durável
dada a constante mudança e evolução da sociedade internacional. Em segundo
lugar, o DI reflete a necessidade da
sociedade internacional contemporânea. Por isso, ele evolui constantemente
de acordo com a mudança das necessidades da sociedade. Em terceiro lugar, o DI,
por ser ramo do direito visa o bem comum
da sociedade internacional, cujo beneficiário final direto e
indiretamente deve ser o homem. Desde que os conteúdos, as formas e os meios de
aplicação das normas internacionais, mudam conforme a necessidade da sociedade
internacional e para o seu bem comum, seria muito conveniente ver o DI no
contexto do processo ou seja um sistema normativo onde os valores normativos
constantemente evoluem.[12] Portanto, a definição simples do DI
como o direito da sociedade
internacional é conveniente. Resta, como Sir Robert Jennings ressalta, se fazer uma definição contemporânea,
portanto constantemente, do DI para que possamos entender a evolução da
sociedade internacional.
O Estado moderno que apareceu na Europa a
partir da século XIV, centralizou o uso de força, se tornando esta monopólio do
Estado, criando a força militar permanente e a burocracia eficiente.[13] O Estado sistematizou todas as
áreas da sociedade, criando deste modo o sistema legal do país que rege a
sociedade. O conceito ocidental de lei foi o instrumento central para a
organização do Estado e da sociedade civil no mundo. Assim, o Estado passou a e
se compor de três poderes distintos, poder legislativo (congresso), o poder
judiciário (tribunais) e o poder executivo (administração, polícia, militar).
No caso da sociedade internacional, as relações
mais ativas são as atividades dos Estados, que são numericamente poucos,
aproximadamente 200, e que se consideram soberanos e iguais.[14] Por isso, o DI é o sistema legal horizontal, faltando a
ele uma autoridade suprema, a centralização da força militar e a diferenciação
das três funções básicas do Estado (legislativo, judiciário e executivo)
geralmente concentradas em órgãos
centralizados.
De fato, a Assembléia Geral da ONU não é o
órgão legislador mundial, a CIJ tem jurisdição muito limitada aos Estados de
acordo com o seu consentimento e o Conselho de Segurança da ONU exerce a função
de policiamento muito limitadamente. A atual sociedade internacional é composta
principalmente pelos Estados, e estes participam diretamente no processo
legislativo internacional, realizando-se, assim, as vontades dos Estados na
formação das normas internacionais. Aliás, no processo da legislação
internacional através das organizações internacionais, o Estado participa
ativamente, tendo-se, consequentemente, o elemento de coordenação das vontades
argumentado pelos positivistas.
Pode-se perceber que os Estados que participam
na legislação internacional, representam os seus interesses nacionais. Eles
dificilmente cedem suas vontades unicamente para o bem comum da sociedade
internacional. Já que não se sabe o critério determinante do bem comum, as
normas acordadas pelos Estados podem ser entendidas como a prova do bem comum,
desde que os Estados cuidem dos povos que são indivíduos da sociedade
internacional. Neste sentido, as normas internacionais têm a forte
característica de serem normas de valor desorientado, para se ter o valor neutral políticamente desorientado.
O
valor é neutralizado porque as normas internacionais se formam quando os
Estados as aceitam como a forma de neutralização das políticas nacionais
aceitável pelos Estados. É políticamente desorientado, porque nenhum Estado
pensa no interesse comunitário internacional sem pensar primeiramente no interesse nacional. Se o governo,
como órgão político responsável pela administração do Estado, toma a
consideração prioritária do interesse comunitário internacional ao invés do
interesse nacional, ele seria irresponsável perante o seu Estado. Alías, a
política internacional presupõe a existência de um órgão político
supranacional. Já que isso não ocorre, a desorientação das normas
internacionais é óbvia. Isso [HMJ7]quer dizer o DI não
visa atingir diretamente os objetivos da sociedade internacional, mas sim
indiretamente, através da atuação dos Estados que contribuem, por sua vez, aos
nacionais.
Esta característica do DI
expõe na sociedade internacional um grave problema social, ou seja, a falta de
um mecanismo que corrija a desigualdade social. No Estado, o governo exerce a
função social com a arrecadação e distribuição da riqueza da sociedade; é a
política orientada, o que falta na sociedade internacional. Seria ridículo e
injustificável reclamar-se pelo tratamento igualitário entre os Estados
soberanos, desde que não há mecanismo corregedor para o bem da sociedade
internacional. Apesar do esforço tentado há mais 50 anos pelo sistema da ONU, é
muito evidente a insuficiência deste para a sociedade internacional. Na falta
de um mecanismo, a correção pelas normas internacionais seria uma boa alternativa.
Entretanto, o fato é que a maioria das normas internacionais tem sido fundadas
e elaboradas pelas idéias dos países europeus e industrializados, que implantam
as suas experiências para todos. É a realidade: as normas são desiguais neste
mundo dividido.
Portanto, o importante seria
estabelecer os princípios fundamentais que orientam a formulação e aplicação
destas normas internacionais justas e com características sociais. Por esta
razão a seleção e a aplicação destes princípios orientadores do DI, tais como
razoabilidade (fairness), legitimidade
(legitimacy), equidade (equity), e proporcionalidade (proportionality) são de suma importância
na manutenção da ordem legal internacional. Já que o DI tem o valor neutral politicamente desorientado,
o processo de seleção das normas fundamentais é diferente do direito nacional. Ao decorrer
do tempo, testando-se as normas nas relações internacionais, verifica-se que
aquelas que têm maior aceitação permanecem, tendo o valor neutral cada vez mais
forte. Neste processo, o papel das cortes internacionais se destaca. Isso
porque elas são testadoras e avaliadoras das normas internacionais. Portanto,
neste sistema legal horizontal, a criação e a manutenção das cortes
internacionais são fundamentais para o desenvolvimento do DI.
Desde [HMJ8]que o sistema de policiamento na
sociedade internacional não mostra a sua eficácia, a auto-ajuda funciona como o
meio primário da proteção. O Estado que viola a obrigação internacional é responsável
pelo ato ilegal (wrongful act) em
relação ao Estado afetado, ou, em certas circunstâncias, perante à sociedade
internacional. Há vários sistemas de solução de conflitos, como mediação,
conciliação, arbitragem ou processo judicial,[15] entretanto, o papel da auto-ajuda (self-help) é ainda muito importante quando a ameaça é eminente,
já que o policiamento internacional é ineficaz. O sistema de auto-ajuda existe
em qualquer sistema legal. No sistema legal primitivo, a maioria das sanções
envolviam o uso da auto-ajuda. Entretanto, este sistema se tornou exceção hoje
em dia, não sendo mais uma regra na sociedade nacional moderna, sendo que, no
entanto, no DI ainda é uma regra reconhecida. Entre as formas de auto-ajuda,
permanecem ainda hoje a legítima-defesa (self-defense)
contra ataque militar e as contramedidas
(countermeasures - retorsão[16] e represália[17]).
De fato, o mecanismo de sanção
no DI é muito menos organizado e eficaz do que o do direito interno. Entretanto, ele funciona de forma
diferente. Isso reflete as características da sociedade internacional. O DI
desta sociedade é o sistema legal horizontal e decentralizado, que visa
principalmente reger as relações dos Estados. Por isso, a sanção do DI visa
penalizar a toda comunidade do Estado (responsabilidade coletiva), baseando-se,
entretanto, no respeito à
soberania e igualdade. Obviamente, quando se aumentam as normas que se
aplicam nas atividades dos indivíduos, as sanções podem ser individualizadas
(responsabilidade individual) e as modalidades de sanções evoluirão.
A questão sobre ¡°o direito internacional é
lei?¡± já não se discute mais entre os jus-internacionalistas. Isso porque eles
vêem o DI e a sociedade internacional por ângulo diferente da sociedade
nacional. Entretanto, o tratamento desta questão é importante, já que o DI vem
sendo tratado como disciplina regular nas faculdades de política internacional,
administração pública, comércio exterior, economia internacional, relações
internacionais, etc, porque o não entendimento do DI como direito ou o não aceitação da
eficácia do DI, provavelmente induziria as pessoas de outras áreas,
não-jurídicas, a entenderem o DI como simplesmente um dos elementos
consideráveis na decisão da política externa do país. Por isso, é ainda
necessário o esclarecimento da eficácia do DI.
Esta antiga questão foi
discutida na era de Hobbes e Pufendorf, ganhando terreno, no século
XIX, pela influência do positivista Austin.
Os juspositivistas do século passado viam o DI com base no conceito do direito
interno. Cada jurista dava o seu critério de avaliação do que deveria ser o
direito. Apesar da variedade das críticas referentes ao DI, o ponto em comum
destas foi sobre a falta de sanção no DI, o que levava-os a não considerá-lo eficiente. A
controvérsia se concentrava na falta de sanção no caso de violações das normas internacionais, e
foi duramente criticada a falta de efetividade na execução do DI. Ainda hoje,
para os estudiosos realistas, que enfatizam o papel do poder e do interesse
nacional nas relações internacionais, como Hans
Morgenthau e, mais recentemente,
Henry Kissinger[18], o DI é ineficaz.[19]
Certamente, não há necessidade de exagerarmos o atual papel e
capacidade do DI na regência das relações entre os Estados.[20] O seu papel nas relações
internacionais não é tão aparente, como é o da lei nacional. Isso porque o DI
não rege todas as relações internacionais de forma clara e sistematizada. A sua
interpretação e aplicação geram, muitas vezes, divergências entre os juristas.
Apesar disso, o DI vem contribuindo grandemente na estruturação do sistema
legal internacional, através da sua aplicação repetitiva e constante nas
relações internacionais entre os Estados.
De fato, a internacionalização e a interdependência
dos Estados, o que aumenta os contatos entre estes, fazem com que os Estados se
comportem cada vez mais com base no fundamento legal e no reasoning. Por isso, apesar de que o comportamento do Estado
depende muito dos interesses políticos, econômicos, e militares, os Estados
sempre tentam fundamentar a sua
decisão no DI. Por isso, na maioria dos conflitos internacionais modernos,
estão presentes os debates teóricos fundados no DI. O ministério das relações
exteriores sempre consulta seus consultores internacionais. A diplomacia
torna-se, cada vez mais, uma diplomacia legal, e as negociações internacionais
revestem-se da forma das discussões legais. A maioria das constituições
dos Estados[21] contém os dispositivos referentes
ao tratamento do DI. Os Estados tentam observar o DI e argumentar a sua posição
com base no DI. As negociações econômicas e comerciais entre os Estados já se
desenvolvem com base jurídica. Assim, o DI ganha força normativa tanto quanto
os Estados se comportam baseando-se no DI.
[HMJ9]Como já salientamos, o fundamento do
direito em qualquer sociedade é sempre o mesmo. O que se diverge é a percepção
do conceito e o valor social do direito na sociedade determinada, conforme a
sua necessidade contemporânea. Uma sociedade pode ter uma lei clara e determinante, o
que pode não ser o mesmo caso de outro país. O valor de uma norma de mesmo
conteúdo pode variar de um país para outro. Por isso, o próprio conceito do
direito varia entre os mais diversos países. Ele é baseado em idéias, métodos e
tradições diferentes, como consequência da diversidade das sociedades, ou seja,
a diversidade das suas necessidades. Por isso, não há motivo algum para se ver
o DI estritamente com base no direito nacional, já que isso poderia trazer
muitas versões diferentes sobre o DI. Ele deve ser entendido, aplicado e
interpretado, com base nas características da sociedade internacional e do DI.
O DI, como sistema legal horizontal, formado pelo conjunto das normas de valor neutral politicamente desorientado,
funciona principalmente com base nos princípios
da reciprocidade, do consenso, do fairness
e da legitimidade. Ora, vamos pensar sobre o processo de formação da
ordem legal internacional. Já sabemos que a característica típica da norma
internacional é a de ter um valor neutro politicamente desorientado. Estas
normas internacionais são o resultado das negociações políticas dos Estados
interessados. Sendo o resultado das negociações políticas uma espécie de equilíbrio com relação aos conflitos
entre os interesses nacionais dos Estados envolvidos, não se pode prever a sua
permanência na sociedade internacional. Estas normas serão testadas
repetitivamente na sociedade internacional, através das práticas dos sujeitos
do DI ou das cortes internacionais, durante muito tempo. Este processo de
teste, para ver se a norma será aceita na sociedade internacional, é chamado de
processo de normatização. Se a
sociedade internacional reprova estas normas, elas perdem o seu valor
normativo. As que permanecem, integram-se ao conjunto das normas fundamentais
da sociedade internacional, que no seu turno constituirá na ordem legal
internacional. Esta ordem legal constitui a sua própria autonomia e força
normativa, desta vez, cobrando aos Estados o seu respeito. Assim, o DI
determina o limite da competência internacional dos Estados.
Se o Estado não a cumpre, isto
é questão particular do comportamento do Estado envolvido com relação ao DI. Em
qualquer sociedade internacional existe o infringidor da lei. A reação da
sociedade depende da força deste infringidor. Se a força deste é tão grande que
não permite a mobilização da sociedade, significa que esta acabará por aceitar
o que este manda como força normativa. O valor normativo das regras do DI não é
estabelecido ou mudado pela simples concordância da sociedade contemporânea,
porque a história da ordem legal internacional é mais antiga do que a da
sociedade contemporânea. O respeito à autonomia do valor normativo acumulado da
ordem legal internacional é obrigação da toda sociedade. Por exemplo, no caso
Iugoslavia,[22] a Otan justificou
o ataque à Iugoslávia com base na teoria da intervenção
humanitária como exeção à
intervenção no assunto interno de país independente. E justificou a
não-autorização do Conselho de Segurança da ONU com uma interpretação mais
folgada da Carta da ONU. Na atual condição, não se pode negar o que a Otan
exige. Assim, cria-se a regra da intervenção humanitária e da autonomia do
sistema regional de defesa coletiva. Estas novas regras serão testadas na
sociedade internacional (não somente na contemporânea, mas também no futuro,
durante muito tempo) para se poder avaliar o valor normativo destas regras. A
tarefa não é simples, já que as novas regras visam enfrentar audaciosamente as
normas antigas e fundamentais do DI, estabelecidas a mais de 50 anos na Carta
da ONU.
Na fase atual do desenvolvimento do DI, as suas
normas se concentram nas relações internacionais dos Estados. Como observamos,
ele poderia manter esta característica no futuro por um longo período, ou
poderia evoluir para um sistema centralizado, como é o direito interno. Tudo
isso depende da necessidade da sociedade internacional no futuro. O direito não
se determina, mas sim, é determinado pela sociedade. Não há nenhuma razão para
se supor que o sistema legal internacional deva ser ou seguir o modelo do
sistema centralizado do direito nacional. O que importa realmente é saber se os Estados e os demais sujeitos
do DI aceitam, na prática, os princípios e as regras do DI, estando legalmente
obrigados (legally binding) no seu
comportamento. Por este ponto de vista já sabemos que os Estados se comportam
bem, com poucas exceções que não devem ser exageradas, já que, mesmo no país,
com um sistema bem centralizado, ocorrem inúmeros atos ilegais que diariamente
recheiam os jornais. Ora, a sociedade internacional está rumando para a
sistematização do seu ordenamento jurídico. Portanto, não deve se precipitar na
escolha da sua futura forma. Entretanto, como nos mostra a experiência da União
Européia, a possibilidade de se
seguir o modelo do sistema legal centralizado não é simplesmente uma idéia
fantasiosa desta sociedade internacional. Cada Estado é responsável pelo bom
cumprimento do DI e pela constituição da sociedade internacional legal.
A imperfeição da sociedade internacional faz
com que se admita a existência do DI com aplicação limitada. Quando é aplicado
em todos os países da sociedade internacional, o DI é chamado de DI universal (universal international law). E quando é aplicado em vários
países, mas não em todos, o DI é chamado de DI geral (general international
law). O DI geral tem lugar
através do DI costumeiro (customary international law) ou via tratados
multilaterais.
Há, também o DI regional (regional
international law), que é
aplicado em certos países com características regionais, como no caso do
sistema de asilo diplomático nos países da América do Sul. Este direito é
reconhecido, geralmente, por sua característica regional, territorial e
religiosa. O direito comunitário na União Européia também é considerado como DI
regional, do ponto de vista do DI. Também se usa o termo direito internacional particular (particular
international law), com relação às regras convencionadas por dois ou
alguns poucos países. O mero uso, na sociedade internacional, como prática
amplamente observada pelos Estados,
mas não se sentindo como uma obrigação legal, é chamada de cortesia internacional (international comity).
A princípio, o regionalismo conflita com a
filosofia da universalidade do DI, onde se pretende a aplicação do DI em toda a
sociedade internacional. Entretanto, isso é um fenômeno inegável desta
sociedade, já que o número dos Estados vem aumentando desde a Segunda Guerra
Mundial. De fato, a universalidade do DI foi por várias vezes ameaçada, uma vez
pela teoria Comunista do DI, e outra pelos países que se tornaram independentes
após a Segunda Guerra Mundial. O DI Clássico, assinala Albuquerque
Mello, surgiu como o direito europeu ocidental, que aos poucos se
universalizou, não sendo, portanto, o regionalismo, fato novo nas relações
internacionais.[23] O Pacto da SN, no art. 21, dizia
que:
¡°Os compromissos internacionais, tais como os tratados de arbitragem e os acordos regionais, como a doutrina de Monroe, destinados a assegurar a manutenção da paz, não serão considerados incompatíveis com nenhuma das disposições do presente Pacto.¡±
A Carta da ONU, no art. 52, reconhece também
esta classificação, estabelecendo:
¡°1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacional que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os propósitos e Princípios da Nações Unidas.¡±
O regionalismo em si não enseja mais dúvidas
aos doutrinadores, uma vez que a própria Carta da ONU o prevê. Atualmente há,
aproximadamente, duzentos países, e é inegável a tendência heterogênea e
desigual, entre eles, quanto aos aspectos do poder econômico, militar,
político, do tamanho territorial e da população. Esta diversidade entre os
Estados dificulta a legislação, a cooperação, a interpretação e a execução do
DI.[24] Entretanto, um fator apaziguador
desta preocupação é que quase todos os Estados são membros da ONU e de
organizações regionais, que funcionam de acordo com os princípios fundamentais
do DI, principalmente os da Carta da ONU[25] e os da Declaração de Relações Amistosas (Friendly Relations Declaration), de
1970.
Como [HMJ10]vimos anteriormente, a sociedade
internacional está em constante evolução. Ela evoluiu do sistema de coordenação das relações internacionais, principalmente
entre os países europeus, nas limitadas áreas da diplomacia e da guerra, para o sistema de coexistência, de cooperação e de globalização entre
todos os Estados, sobre as novas áreas internacionais. O desenvolvimento da
ciência e tecnologia, da comunicação e dos transportes, impulsionou a expansão
de novas áreas, como comércio internacional, comunicações, financiamento
internacional, proteção do meio ambiente, etc. Com esta evolução, o conceito de soberania do Estado, que
foi muito debatido desde a década de 60, com o processo de descolonização e do
nascimento de novos Estados, vem se tornando cada vez mais antiquado no
processo de globalização, mundialização e internacionalização da economia, e da
interdependência crescente dos Estados.
Como [HMJ11]no passado o professor Jessup adivinhou, as áreas do DI estão
em expansão horizontal e verticalmente. Além dos tópicos tradicionais, como
Estados, sucessão do Estado, responsabilidade do Estado, paz e segurança,
direito de guerra, direito dos tratados, direito do mar, relações diplomáticas
e consulares, existem também novos tópicos, como organizações internacionais,
economia e desenvolvimento, recursos naturais, energia nuclear, direito aéreo,
direito espacial, exploração dos recursos do fundo do mar, meio ambiente,
comunicação, e proteção do direito humano. Esta evolução faz com que o DI seja
cada vez mais segmentado e especializado, como observa Oscar Schachter:
¡°It is no longer possible for a ¡®generalist¡¯
to cope with the volume and complexity of the various branches of international
law. Increasingly, the professional international lawyer, whether practitioner
or scholar, is a specialist in a particular branch of the law and each branch
develops its own complicated and often arcane doctrine¡±.[26]
Esta [HMJ12]especialização do DI, que reflete exatamente
a evolução da nossa sociedade internacional, levanta, por outro lado, o
problema sobre a organização dos assuntos e a sua unificação coordenada,[27] para que as normas e princípios das
diversas áreas não conflitem, já que o DI é o sistema legal internacional. De
fato, até para os professores de DI, a organização dos temas para ensino é uma
tarefa muito complicada, já que novos temas surgem a cada ano. Atualmente, algo
em torno de mais de 1000 títulos de livros e mais de 6000 artigos são
presumidos publicados no mundo.
Concluindo, a tarefa deste pequeno livro não
visa esgotar todas as áreas do DI. A sua finalidade principal é a de introduzir
aos alunos as principais regras e princípios do DI, e as principais áreas do
DI, para que eles possam ver e entender o que é o DI e como este rege a sociedade internacional, de maneira
clara, curta e panorâmica. Entretanto, enfrentamos um problema real, que é a
dificuldade de acesso aos materiais primários, como convenções e tratados, e às
boas leituras – isso porque a maioria das literaturas é escrita em língua
estrangeira, além do estado vergonhoso de nossas bibliotecas. Muitos problemas
não podem ser corrigidos no curto prazo, por várias razões, as quais deixaremos
de mencionar. Entretanto, o que não conseguimos entender é a falta de
consciência do governo de não divulgar todos os atos internacionais. Os
professores e os pesquisadores sentem-se envergonhados pela falta de informação
sobre os atos do Governo nas relações internacionais, que eventualmente são encontrados
nas bibliotecas estrangeiras, através dos colegas estrangeiros, ou até mesmo na
Internet. Considerando-se esta situação, para assistir aos alunos e leitores,
tentamos colocar os endereços dos site na Internet, quando os documentos do DI
estão disponíveis, apesar de estarem em língua estrangeira.
Com relação à origem do DI, alguns juristas
regressaram até as relações e tratados entre as entidades políticas dos tempos
antigos (3000 AC), incluindo a antigüidade pré-clássica na Near East, Grécia
Antiga e Pérsia, e o período Romano-Helenístico.[28] Entretanto, a opinião que
prevalecente no estudo do DI é a de que este emergiu na Europa, no período
seguinte à a Paz de Vestefália (the Paz a df Peace of
Westphalia, 1648), que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos (Thirty Years War).
Mais uma vez vemos opiniões diferentes na literatura sobre a classificação do desenvolvimento do DI. Grewe, diplomata e historiador alemão, classificou os períodos do desenvolvimento do DI após o século XVI, cada um deles marcado pelos interesses, ideologias e políticas dos Poderes que predominaram em cada período: ordem legal internacional da Era Espanhola (1494-1648), Era Francesa (1648-1815) e Era Inglesa (1815-1919).[29] Além destes períodos, the Encyclopedia of Public International Law adiciona mais classificações até hoje: o período entre guerras e o desenvolvimento a partir da Segunda Guerra Mundial. E após a queda do regime socialista, começou a era de cooperação entre os países membros permanentes do CS da ONU.
A dificuldade de fazer-se a periodização é bem conhecida, em geral, no estudo da história. São muito subjetivas estas classificações. O importante no DI seria distinguir-se o período entre o sistema clássico do DI (1648-1918), e o DI moderno, após a Primeira Guerra Mundial. O sistema clássico do DI foi baseado no reconhecimento do Estado soberano moderno como o único sujeito do DI. Este sistema foi composto por inúmeros Estados soberanos considerados como sendo legalmente iguais e que aceitavam o direito ilimitado a conduzir guerra para abordar ações e proteger interesses nacionais. De fato, este sistema refletia a interação entre os poderes europeus e a imposição da sua ordem legal ao resto do mundo, perdurando por 3 séculos após a Paz de Vestefália. A partir de 1919, a transformação fundamental do sistema legal internacional ocorreu com a tentativa de se organizar a comunidade internacional e de impedir o uso da força. Estes períodos podem se dividir em várias fases com base dos acontecimentos importantes: da Revolução Russa até a criação da ONU, do estabelecimento da ONU até a descolonização (1945-60), da expansão da comunidade internacional até o fim da Guerra Fria, marcada pela dissolução da União Soviética (1960-89) e até hoje.
Sempre que as comunidades políticas
independentes entravam em relações pacíficas, estas sentiam, consequentemente,
a necessidade de alguma forma de regulamentação internacional, ainda que tais
normas possuíssem um caráter muito rudimentar, como, por exemplo, a
obrigatoriedade dos tratados e a inviolabilidade dos embaixadores. Nestes
termos, existiram sistemas de DI vigentes entre as cidades-estado da Grécia clássica e os reinos hindus da Índia
antiga.
A Idade Média compreende o período entre a
queda do Império Romano do Leste (West
Rome Empire, 476), até a formação dos Estados soberanos, no século XV.
Desde o século XI expandia-se a economia, devido ao desenvolvimento dos
transportes marítimos. Esta expansão facilitou a expansão do Catolicismo,
formando-se uma comunidade católica na Europa.
Os imperadores dos países europeus lutaram
internamente para fortalecerem os seus poderes sobre os senhores feudais,
unificando seus territórios, visando, também, livrarem-se do reino da Santa
Igreja. Pode-se, inclusive, falar-se de um DI da Europa Ocidental na Idade Média, embora esta, nessa altura, não
oferecesse as condições mais apropriadas para o desenvolvimento daquele, por
não se encontrar dividida em Estados no moderno sentido da palavra. Concebemos
hoje o Estado como uma entidade independente de todo o controle político
externo, exercendo um domínio político indiscutível no interior do seu próprio
território. Ora, os soberanos medievais
não ocupavam uma posição semelhante: internamente, compartilhavam o poder com
os nobres barões, sendo que cada um deles contava com o seu próprio exército
particular; externamente, prestavam uma espécie de vassalagem ao papa e ao
imperador romano-germânico.
Como resultado desta batalha, os imperadores
saíram ganhando e começaram a estabelecer os Estados soberanos medievais. As
práticas destes Estados primitivos, entretanto, influenciaram fortemente quando
da formação do DI moderno. Alguns exemplos são a distinção entre direito de paz
e direito de guerra, a distinção entre guerra justa e guerra injusta, a
limitação das atividades não-humanitárias na guerra, algumas regras sobre
tratados e arbitragem, as regras de diplomacia como função de diplomatas, seus
privilégios e imunidades, o sistema de consulado, etc.
Ao fim da Idade Média, a sociedade
internacional encontrava-se em meio a mudanças marcantes, como a Renascença, a
desintegração de religiões, a descoberta dos novos continentes e a revolução
industrial. Estes eventos motivaram a queda do sistema medieval, o enfraquecimento
do poder do papa e o aparecimento dos Estados soberanos no sentido moderno.
Os novos Estados soberanos, visando o
fortalecimento dos poderes e a sua independência, desenvolveram a teoria da
soberania (absoluta). O conceito de Estado soberano (absoluto) foi desenvolvido no
século XVI por Machiavelli (1469-1527), Jean
Bodin (1530-1596) e Thomas Hobbes (1588-1679), espalhando-se pelos países
europeus, como Espanha e França, no século XVII. Bodin entendia que o poder soberano é absoluto e permanente. Absoluto porque o soberano exerce o poder
incondicionalmente sobre os bens e as pessoas. Permanente porque o soberano é
irrevogável. No seu raciocínio, o conceito de soberania exclui a intervenção
externa por outros países. Esta teoria foi fortalecida por Thomas
Hobbes, quando este disse que soberania é o poder ilimitado da
monarquia, e o povo já revogou o
seu direito de resistência à monarquia através do contrato social.
Consequentemente,
estabeleceram-se relações internacionais entre estes novos Estados soberanos, o
que se chamou de sistema internacional
interestatal. Desde que os Estados soberanos fossem independentes e iguais,
este sistema de interestatismo significava, no fundo, a convivência dos Estados
soberanos de forma independente e paralela. Neste sistema internacional, o DI
significava a lei entre os Estados, cuja formação se dava através do
consentimento, explícito ou tácito, dos Estados, e cuja interpretação era feita
pelos próprios Estados.
Quando os Estados com poderes centralizados, como Inglaterra, Espanha,
França, Holanda e Suécia, começaram a aparecer, alegando a sua soberania absoluta e não mais
se submetendo ao papa e ao imperador romano-germânico, começou a se desenvolver
um novo padrão internacional até com relação aos poderes não-europeus, como
Império Otomano, China e Japão. Os novos Estados podiam explorar os outros
continentes sem a intervenção dos poderes religiosos. Assim, durante os séculos
XV e XVI, com a descoberta dos caminhos marítimos ao Extremo Oriente e a descoberta
da América, os poderes do mar
ultrapassaram o antigo limite do mundo político de Europa.
A Paz de Vestfália (14-24 de 10.1648) foi a prova oficial do estabelecimento do sistema do interestatismo. O evento da Paz de Vestfália[30] é considerado como uma divisão histórica para o estabelecimento da nova ordem política, que perdurou até o Congresso de Viena,[31] de 1815, quando Napoleão foi derrotado. Na Europa, a Paz de Vestfália terminou com as guerras religiosas entre os países católicos e protestantes. Com a derrota do papa e do imperador romano-germânico, os países protestantes foram reconhecidos e os católicos ganharam a sua independência da Igreja. Mais de 300 entidades políticas, que constituíam o resto do Império Santo Romano, receberam o direito de formar alianças com os poderes estrangeiros, sob certas restrições. Enquanto a Alemanha foi dividida em vários pequenos países, a França, a Suécia e a Holanda (Países Baixos e Holanda), surgiram em novos grandes países. Assim, o Império foi se desmontando e a Igreja perdeu a força política nas relações internacionais européias.
A Paz de Vestfália estabeleceu um sistema internacional baseado na pluralidade de Estados independentes e iguais. Ela visou o sistema de segurança coletiva, que obriga as partes a defenderem suas províncias contra ataques de outras. Disputas entre estas deveriam ser solucionadas via solução pacífica ou por adjudicação legal. Se não fosse solucionada a disputa dentro de 3 anos, todas as outras partes deveriam assistir a parte ferida, permitindo-se o uso de força. Entretanto, este sistema de segurança coletiva nunca foi acionado na prática.
Ao invés deste sistema sólido, os países optaram pelo sistema de equilíbrio político internacional (balance of power)[32] que foi uma adaptação da mudança constante de alianças, que foi um princípio dominante na política internacional. Com base nesta realidade, o chamado Direito Público Europeu (ius publicum europaeum; droit public de l¡¯Europe; European Public Law) evoluiu constantemente através da diplomacia, da mudança de aliança e de guerras regionais, formando várias normas internacionais européias.
A Revolução Francesa de 1789, entretanto, desafiou a base do então sistema internacional, através da alegação das idéias de liberdade e autodeterminação dos povos. Estas idéias se espalharam na Europa e na América, denegando os direitos das monarquias de disporem o território e povo de um Estado pela sua vontade, discricionariamente. A conquista da Europa por Napoleão suspendeu temporariamente aquele sistema de balance of powers e espalhou as novas idéias. Entretanto, após a queda de Napoleão, o Congresso de Viena, de 1815, restabeleceu a antiga ordem na Europa, introduzindo inovações para a criação do sistema de segurança coletiva.
Os imperadores da Rússia, da Áustria e da Prússia acreditavam que o sistema de Viena podia ter mantido a sua melhor forma através de alianças entre os poderes, principalmente para sustentar interesses dinásticos cristãos. Os Tratados de Paris de 1815, criados pela Santa Aliança das Nações Cristãs entre as monarquias da Áustria, Rússia e Prússia, e a aliança militar anti-revolucionária entre Áustria, Prússia, Rússia e Inglaterra, aderida depois pela França, objetivando intervir contra revoltas liberais e nacionalistas, começaram a ameaçar a ordem européia recuperada.
A era de alianças cooperativas entre os Grandes Poderes na Europa terminou com a disputa dos Balcãs e interesses divergentes sobre o Império Otomano em declínio. A Guerra da Criméia, na qual a Rússia foi derrotada pela Aliança da França e Grã Bretanha, apoiada por Piemonte-Sardenha e Turquia, terminou definitivamente com o Tratado de Paris, em 1856. Entretanto, o Congresso de Berlim de 1878, não conseguiu solucionar os problemas dos Balcãs e a briga dos poderes europeus pela sua fatia no processo da desintegração do Império Otomano, que culminaram na Guerra dos Balcãs de 1912-13, acabando definitivamente com o Concerto da Europa.
Os países
europeus, liderados pela Inglaterra, França e Holanda, exploraram os países
não-europeus por interesses comerciais e de expansão de territórios exteriores,
ou seja, coloniais. Estes países europeus, unificados pela Cristandade,
consideravam os não-europeus como sendo não-civilizados. Entretanto, o
tratamento dependia da situação de cada caso enfrentado. Em alguns lugares,
como o continente africano, o tratamento foi geralmente desumano, enquanto que
o Império Otomano ou a China foram tratados como países soberanos. Eles tinham
interesse pela missão cristã.
A exploração dos países europeus promoveu o contato do Direito Europeu com os outros direitos não-europeus, ou seja, o DI discutido até então no continente europeu foi o próprio Direito Europeu. O contato dos direitos de característica heterogênica foi um verdadeiro choque cultural. Os países europeus estavam dispostos a admitir que os não-europeus possuíam alguns direitos sob a luz do DI europeu. Os não-europeus estavam freqüentemente dispostos a admitir que os Estados europeus gozavam, também, de direitos limitados à luz dos variados sistemas jurídicos internacionais não-europeus, tornando possíveis as relações de índole(¼º°Ý) jurídica entre Estados europeus e não-europeus. Entretanto, estas relações não constituiram o verdadeiro sistema legal universal baseado nos valores comuns. Os europeus reconheceram o Império Mogol na Índia, o Império Otomano, a Pérsia, a China, o Japão, a Birmânia, o Sião[33] e a Etiópia, como entidades políticas estabelecidas, entretanto, estes países não foram entendidos como os atores principais das relações globais. Através do Tratado de Paris (1856), a Turquia foi expressamente admitida como o primeiro país não-cristão, ao Concerto da Europa. De modo contrário, o Império Otomano e a China não aceitaram os países cristãos como iguais, insistindo na sua superioridade. A Coréia e o Japão também fecharam as suas portas contra os europeus que insistiam no comércio exterior. Era impossível a harmonização entre várias culturas, já que a base das relações entre os países era diferente. Enquanto os países europeus basearam no interestatismo as relações internacionais, os países não-europeus (em particular os asiáticos) não tinham a noção de soberania, sendo aceita a superioridade de um sobre o outro. Ou seja, existiam somente conflitos entre os direitos internacionais regionais, cujo destino final foi a opção pelo direito internacional europeu, que foi escolhido e imposto como sendo superior a todos os outros.
Foi no século XIX que os países europeus decidiram substituir os direitos internacionais regionais pelo seu direito internacional europeu. Assim, foram abertas as portas da China, Japão e Coréia, com ameaça e uso de força, sob a alegação do princípio de liberdade de comércio, que foi um valor social europeu. Sendo assim, a formação do DI deu-se, na verdade, não pela formação dos valores comuns dos países do mundo, mas através da substituição dos valores não-europeus pelos valores europeus, apoiados por força militar.
Os países
hemisféricos ocidentais sofreram uma experiência diferente da dos países
afro-asiáticos, devido ao fato histórico de mesma origem. Desde o começo da
formação dos países no Hemisfério Ocidental, os EUA e os países
latino-americanos se fundaram no sistema europeu, remanescendo, assim, o DI
europeu. A formação do DI nestes países foi uma adaptação do DI europeu, sendo
possível, portanto, a contribuição destes ao desenvolvimento do DI de forma
progressiva.
A guerra de independência provocada pela rebelião norte-americana contra a Inglaterra, no século XVIII, foi o sinal da expansão dos participantes do DI e a alteração da característica européia do DI para características mais abertas. A Declaração Americana de Independência, de 1776, resultou em reconhecimento do novo sujeito do DI pelo país mãe, após 7 anos de guerra. Esta independência foi o reconhecimento do resultado da Guerra dos 7 Anos, entretanto, no aspecto legal, foi o reconhecimento do princípio de auto-determinação no DI. Este princípio foi citado na mesma situação política, no começo do século XIX, quando os países latino-americanos ganharam independência reconhecida pela Espanha e Portugal.
Após tornarem-se independentes da Europa, os países americanos, já como países soberanos e independentes, reclamaram o princípio da não-intervenção. A versão americana deste princípio foi a doutrina Monroe,[34] de 1823, contra a intervenção européia no Hemisfério Ocidental. Com essa isolação, estes países começaram a criar algumas normas regionais que, dada a sua quantidade e importância, chegaram a ser chamadas de direito internacional americano.[35] Os EUA contribuiriam ao uso da arbitragem internacional na solução das disputas internacionais, e os países da América Latina formaram várias regras regionais, como o asilo, para impedir a intervenção estrangeira.[36] Em geral, a atitude dos países americanos foi muito mais idealista, lei-orientada, que a atitude realista e poder-orientada dos países europeus, devido a sua história de independência. De fato, eles têm criado muitas regras internacionais num curto período, através das conferências regionais. Apesar desta atitude geral, os EUA excepcionalmente se envolveram na corrida imperialista na China e tomaram as Filipinas em 1898, após guerra com a Espanha.
A contribuição da doutrina no desenvolvimento do DI não foi tão grande como se imagina. Isso se deve em muito à característica da própria sociedade internacional, onde predominam os interesses políticos. As doutrinas serviam, principalmente, para justificar as práticas dos Estados, como no caso do direito do mar. Esta realidade histórica ainda mantêm o seu impacto negativo, desde que muitos estudiosos não-juristas têm interpretado o DI, fazendo a desnormatização deste direito. O uso indevido do DI como um meio legal de deplomacia e a intervenção dos não-juristas para diluir a característica legal do DI foram grandes impedimentos na formação da ordem legal internacional.
O naturalismo teve a sua prosperidade nas relações internacionais nos séculos XVI e XVII. Os principais naturalistas foram o holandês Hugo Grotius (1583-1645), considerado o fundador do DI moderno, os espanhóis Vitoria (1486-1546) e Suarez (1548-1617), o protestante italiano refugiado na Inglaterra Gentili (1552-1608) e o inglês Zouche (1590-1661).
Apesar das variadas versões deles, a tese fundamental que identificou os jusnaturalistas foi que os princípios básicos de qualquer lei (nacional e internacional) foram derivados dos princípios de justiça, que têm validade eterna e universal, e que podem ser descobertos pela razão pura, os quais não foram feitos pelo homem. Estes princípios básicos foram chamados de lei natural. As diferenças teóricas entre eles eram referentes aos meios de descoberta e limitação destes princípios básicos de lei natural. Por exemplo, Vitoria quis justificar a existência da comunidade internacional que funciona com base na lei universal, jus gentium, palavra emprestada do direito romano. Nessa sociedade, ele incluiu as nações dos Índios das Américas, o que provocou muitas críticas.
Entretanto, o naturalismo, devido à sua íntima relação com a religião católica, encontrou dificuldades na expansão desta teoria legal à outras regiões de religiões diferentes. Foi Hugo Grotius quem separou a origem da lei natural da origem da lei divina. Antes, sustentou-se que o Direito Natural era de origem divina. Grotius, no entanto, afirmou que mesmo que Deus não tivesse existido, o Direito Natural teria aparecido. Assim, podia ter se aplicado o Direito Natural nos países europeus com diferentes religiões. Este autor holandês considerava que a existência do Direito Natural era consequência automática do fato dos homens viverem em sociedade, e serem capazes de compreender a necessidade de certas regras para a manutenção da vida social. De acordo com este raciocínio, a proibição do homicídio, por exemplo, constitui uma regra do Direito Natural independentemente de um legislador ter que formulá-la expressamente, porque todo o homem racional compreenderia que tal norma era justa e necessária para a preservação da sociedade humana. Ele desenvolveu a sua teoria com base em três princípios fundamentais: pacta sunt servanda, devolução de lucros injustos e indenização de dano causado por culpa.
A concepção jusnaturalista foi bem aceita durante os séculos XVI e XVII na Europa, desempenhando uma função útil ao fomentar o respeito pela justiça numa época em que o colapso do sistema feudal e a divisão da Europa entre católicos e protestantes poderia, de outro modo, ter conduzido a uma total anarquia. É difícil conceber-se qualquer outra base sobre a qual, naqueles tempos, pudesse ter sido construído um sistema jurídico internacional. Para os Estados novos, que ainda não tinham se separado da influência da religião, o jusnaturalismo foi um alívio, já que estes Estados não tinham base legal para avaliar a justiça de modo independente. Assim, a característica do jusnaturalismo foi geral e universal, indo além da fronteira dos Estados novos. De fato, a própria incerteza do Direito Natural, que constitui hoje um dos seus grandes defeitos, era menos aparente no tempo de Grotius, que ilustrava os seus argumentos com citações bíblicas, referências a história grega e romana e, sobretudo, com analogias extraídas do Direito Privado Romano, o qual era admirado por constituir um reflexo bastante fiel do Direito Natural e, por tal razão, copiado pela maior parte dos países europeus.
A teoria do
Direito Natural goza de uma larga tradição que remonta a Roma clássica, e
continua a ser a filosofia oficial do direito para a Igreja Católica Romana.
Mas, fora deste círculo, a sua aceitação não é hoje muito generalizada, devido
à sua conotação religiosa e a impossibilidade de constatação empírica dos seus
princípios. Essencialmente, esta teoria sustentava que o Direito se baseia na
justiça, e, embora advogados e juizes invoquem com freqüência a justiça para preencher lacunas ou
resolver pontos obscuros do direito, o jusnaturalismo acaba por, logicamente,
levar a uma conclusão muito mais radical, notadamente a de que uma norma
injusta carece de valor jurídico e que o juiz pode, portanto, dela prescindir.
Mas tal conclusão não podia ser aceita por qualquer dos sistemas jurídicos
modernos. Nem os próprios defensores desta teoria foram capazes de formular com
precisão os princípios do Direito Natural. Desde que o pensamento comum é que a
lei tem uma fonte metafísica, ou seja, lei é oriunda dos princípios de justo e
não-justo (right and wrong) e não do
consentimento, a sua história é tão antiga como a filosofia da lei. Apesar da
separação da lei natural da religião feita por Hugo Grotius, a dependência da
religião para a decisão da justiça pelos Estados era de fácil compreensão. Os
jusnaturalistas, como Francisco de Vitoria, Francisco Suarez e Hugo Grotius
foram grandes nomes na conceituação de guerra. Eles conceituaram guerra justa (bellum justum) e guerra injusta (bellum injustum), cujo critério foi
muito dependente do cristianismo.
Com o fortalecimento do poder dos Estados e a concretização do sistema
interestatal nas relações internacionais, os Estados perderam o interesse no
aproveitamento dos fundamentos naturalistas. Em vez disso, eles buscaram a
teoria jurídica que poderia justificar o sistema do interestatismo, ou seja, o
positivismo.
(Çö´ëÀÚ¿¬¹ýÀÇ ³»¿ë¼³¸í!)Entretanto, a teoria do naturalismo ressurgiu a partir da Segunda Guerra Mundial como uma reação à falha do positivismo tradicional, que se baseou no sistema linear dos Estados soberanos que provocaram a guerra. Após a Segunda Guerra Mundial, o ressurgimento do jusnaturalismo foi marcante, entretanto, com várias modificações com relação a seus fundamentos, conforme a posição dos estudiosos, entre outros, do americano James Brown Scott, do inglês J.L. Brierly, dos austríacos Alfred Verdross e Kunz, dos franceses Louis de le Fur, Antoine Pillet, Louis Welbez e Paul Reuter, da alemã Ernst Sauer, e dos italianos Gabrielle Savioli, Sancti Romano e Ricardo Monaco. A influência do jusnaturalismo é vista, hoje em dia, nos direitos humanos, no direito de desenvolvimento, nos direitos econômicos, no uso justo de força militar, etc.
Depois da morte de Grotius, em 1645, o ambiente intelectual tornou-se muito mais cético com relação à eficácia do Direito Natural. Os Estados, já numerosos e com independência suficiente para não dependerem dos fundamentos metafísicos, começaram a elaborar as regras objetivas das relações internacionais. Os Estados decidiram tratar das regras internacionais sob o ponto de vista nacional, ao invés do internacional, como os jusnaturalistas. Ao entrar no século XVIII, começou-se a sustentar que o Direito era fundamentalmente positivo, isto e, feito pelo homem. Consequentemente, direito e justiça não eram a mesma coisa e as leis poderiam variar no tempo e no espaço segundo o arbítrio do legislador. Na sua aplicação ao DI, o positivismo considerava o comportamento real dos Estados como a base do DI. A característica essencial do positivismo é que as regras internacionais são obrigatórias somente se forem formadas pelo consentimento (tácito ou explicito) dos Estados. Os positivistas procuraram saber o que era a lei, ao invés de o que a lei deveria ser. Para eles, encontrar cientificamente a lei e analisar sistematicamente as relações internacionais legais era o mais importante. Por esta razão, a codificação das leis foi tentada, e de fato, muitos princípios do DI defluíram do esforço destes juspositivistas. Segundo eles, o Estado sobrepõe-se ao povo e a lei é o comando do Estado ao qual o povo se submete, sob pena de sanção. É voluntarismo da lei, não importando se o conteúdo de lei é justo ou não. O interesse é saber se a lei for legislada por processo legal, não se importando quanto ao aspecto modal da lei. No cenário internacional, a força obrigatória do DI depende do consentimento voluntário do Estado de se submeter à ele. Desde que não existe entidade superior ao Estado, o Estado se submete à sua própria vontade. Este raciocínio foi bem aceito no sistema linear dos Estados de soberania absoluta no século XIX.
O primeiro grande autor positivista neste campo foi outro holandês, Cornelis van Bynkershoek (1673-1743), que, de certo modo, se encontrava adiantado para o seu tempo. Apesar de situar as suas raízes no século XVIII, o positivismo não chegou a ser plenamente aceito até o século XIX. Infelizmente, excetuando-se o recolhimento de textos de tratados, pouco esforço foio feito para se estudar cientificamente a prática dos Estados até ao século XX. Os juristas Johann Jacob Moser (1701-1785), alemão, Georges de Martens (1756-1821), o jurista inglês Richard Zouche (1590-1660), o diplomata suíço Emerich de Vattel (1714-1767), Jellinek, Zorn, e Carre de Malberg, foram os grandes nomes que argumentaram este pensamento voluntarista dos Estados.
Ora, quem plantou firmemente o positivismo no DI no século XVIII foi o sueco Emerich de Vattel (1714-1769). Foi ele quem estabeleceu uma ponte transportadora do naturalismo para o positivismo nesta época. Isso quer dizer que os positivistas do século XVIII não se separaram totalmente do jusnaturalismo, o que distinguiu o positivismo do século XIX. Vattel se esforçou no seu livro "Le droit des gens ou principes de la loi naturelle appliqués à la conduite et aux affairs des nations et des souverains" para combinar jusnaturalismo e positivismo. Ele deu grande ênfase aos ¡°direitos inerentes¡± que os Estados deduziam do Direito Natural, mas, por outro lado, sustentou que estes últimos só respondiam perante a sua própria consciência quanto ao cumprimento dos deveres que o Direito Natural impunha, a não ser que tivessem expressamente acordado considerar tais deveres como parte integrante do Direito Positivo. Vattel exerceu uma grande influência sobre muitos autores e Estados nos séculos XVIII, XIX e até o começo do século XX. Ainda hoje a sua influência se faz, por vezes, sentir.
Posteriormente, Triepel, Anzilotti, Cavaglieri etc. modernizaram a teoria do voluntarismo. Apesar da contribuição do positivismo na cientifização do DI, o grande defeito desta teoria é que o Estado somente reclama os seus direitos, ignorando os seus deveres. E o Estado se torna o único julgador na decisão dos assuntos internacionais, até quanto a legalidade da guerra. A mudança do ponto de vista na observação do DI de forma universal, como o caso do jusnaturalismo, para uma forma nacional, sem controle objetivo e internacional, culminou em duas guerras mundiais. Apesar destas experiências desastrosas, o positivismo ainda domina o mundo acadêmico. Isso é natural e até incorrigível, desde que o sistema internacional é mantido pelas relações inter-estatais e o Estado deve preservar primordialmente o interesse nacional. Entretanto, os juristas positivistas modernos têm feito as suas análises do DI, baseando-se no pragmatismo e na experiência passada desastrosa. Isso porque o positivismo tradicional, no sistema internacional interestatal, não solucionou o problema dos conflitos entre os Estados quando eles chegam em um extremo, ou seja, na guerra. Os juristas positivistas modernos consideram que a paz internacional seria mantida com a cooperação internacional. Consequentemente, o reforço da solidariedade da comunidade internacional se tornou um assunto fundamental na análise do DI. A maioria dos juristas anglo-saxões optam por este caminho, conjuntamente com os juristas continentais, tais como J. Basdevant, G. Gidel, S. Bastid, Ch. Rousseau, entre outros.
A teoria da soberania foi a mais utilizada para
defender as atuações dos Estados nas relações internacionais. Como se sabe, a
teoria da soberania foi desenvolvida no século XVI por Jean Bodin (1530-1596) e Thomas Hobbes (1588-1679), sendo
posteriormente espalhada pelos países europeus no século XVII. Foi a teoria
política que sustentou a formação e a manutenção do Estado novo nos séculos XVI
e XVII.
Foi John
Austin (1790-1859) que introduziu esta teoria política no sistema legal em
um contexto positivista. Ele definiu lei como ¡°general commands of a sovereign, supported
by the threat of sanctions¡±. Ou seja, qualquer lei deve funcionar com o suporte da sanção. Para ele,
a sanção é um elemento constitutivo da lei. Desde que o DI não se encaixou
neste critério, ele considerou que o DI não é lei. Segundo a sua teoria, o
soberano que possui poder supremo não fica obrigado à lei que ele mesmo criou.
Assim, esta teoria explicou as relações entre o superior e os inferiores dentro
do Estado
(soberania interna) e as relações entre os Estados (soberania externa). Em
conseqüência deste raciocínio, seria impossível criar-se a lei nas relações
horizontais (como as relações internacionais), sendo possível apenas nas
relações verticais (como a sociedade nacional). Portanto, o DI, nas relações
internacionais, não se qualifica como lei, sendo um mero conjunto de regras de
diplomacia.
O problema mais crítico
enfrentado foi como identificar-se
tal soberano e tal lei, desde que o critério era muito subjetivo. De fato, a
soberania do Estado significa, no DI, a sua independência nas relações entre
eles. Ela não significa que ele se sobrepõe a lei. A independência da soberania
do Estado é garantida dentro do DI. De fato, a história nos mostrou que, do
final do século XIX até as grandes guerras, os juristas, em particular, os
alemães, desenvolveram a doutrina da soberania e a teoria do Estado ao seu
extremo. A experiência das Guerras mundiais fez os juristas revisarem a teoria
da soberania de forma mais flexível, pois esta era usada de modo irresponsável.
Atualmente, nesta era de globalização, o conceito de soberania, apesar da sua
flexibilidade e de independência nas relações internacionais, vem perdendo o
seu significado, já que a interdependência é a realidade. Por isso, a própria
palavra ¡®soberania¡¯ perde cada vez mais, a não ser no âmbito nacional, a sua
utilidade. A tendência de integração regional, como a UE e o Mercosul,
difículta a explicação lógica do conceito de soberania tradicional. Portanto,
dispensar desta palavra do DI, substituindo-a por outros critérios (como por
exemplo igualdade compensatória), seria mais adequado nesta sociedade
internacional contemporânea. Por fim, a teoria da soberania introduzida no DI no
século XIX causou uma confusão desastrosa, fazendo com que o DI se confundisse
com diplomacia, política internacional, etc., desvalorizando os valores
normativos do DI.
Já no final do século XIX os
países europeus tinham conquistado a maior parte dos países não-europeus. Como
se entende, este processo foi a opção de escolha entre as diferentes culturas
legais. Assim, o DI europeu, como lei dos conquistadores, se converteu no próprio
DI. Os países europeus não aceitaram os valores jurídicos dos países
não-europeus. Assim, o DI clássico foi, basicamente, o DI europeu, já que
poucos Estados europeus participaram na formação das regras internacionais durante este
período, ou seja, da Paz de Vestfália até a Primeira Guerra Mundial, havia
muita facilidade na concretização dos princípios e regras internacionais, como
se vê nos seguintes: o princípio de pacta
sunt servanda nas obrigações internacionais, as regras dos tratados, o
princípio de soberania territorial, imunidade estatal, a liberdade do alto mar,
as regras sobre relações consulares e diplomáticas, as regras de proteção
diplomática, as regras de neutralidade, etc.
Desde que o DI clássico
manteve uma característica européia (de fato até hoje) as suas regras tinham
duplo critério. O DI clássico, onde a soberania absoluta dominava, aceitou o
direito do uso de força ilimitado e de fazer guerra, como um direito inerente ao Estado. Consequentemente,
a anexação de território estrangeiro conquistado era válida, assim,
facilitando-se a colonização dos novos continentes pelos países europeus. Este
direito de uso da força do Estado deu impulso para a formação da doutrina de
intervenção por várias razões. Por exemplo, até o século XIX aceitava-se a
intervenção por motivo humanitário, em particular, para a proteção dos cristãos
nos países não civilizados. A introdução do princípio de não-intervenção, no
século XIX, fez com que tal princípio tenha várias exceções para garantir o
direito de uso de força. A Carta da ONU proibiu o uso de força e a intervenção
nos assuntos internos dos Estados.
As idéias de solução pacífica das disputas
internacionais através de negociação, conciliação, mediação e arbitragem, foram
testadas desde a Paz de Vestfália. Entretanto, estas idéias não eram bem
aceitas pelos Estados, em particular, pelos de regime monárquico. O Tratado de Jay (1794) abriu caminho para a arbitragem nas disputas
internacionais.
No final do século XIX, começaram a aparecer as
organizações internacionais para tratarem dos interesses comuns de
características internacionais. E concluiu-se o período do DI clássico com as
Conferências de Paz em Haia, em 1899 e 1907.
Somente após a Primeira Guerra Mundial é que o
DI se desembaraçou das tendências racistas européias e começou a se tornar
verdadeiramente universal, entretanto, com base nas normas tradicionais. A experiência
da guerra refletiu na
mudança do sistema legal internacional. O evento mais importante foi Revolução Russa,
em 1917, através da qual o mundo começou a se dividir em dois blocos
ideológicos. Os países socialistas negaram as validades das normas e costumes
internacionais anteriores à constituição do bloco socialista. Isso impulsionou
a transformação do DI europeu em DI universal.
A criação da Sociedade das Nações (SN), em
1919, foi um grande passo para o desenvolvimento do sistema interestatal. Foi a primeira
experiência para a sistematização da sociedade internacional com base no
interestatismo. Os diversos sistemas do DI, que outrora existiram no âmbito dos Estados não-europeus, acabaram por ser destruídos durante a dominação européia, e os povos não-europeus foram sujeitos a um longo período de influência cultural por parte do continente europeu. Em consequência disso, os Estados não-europeus, em vez de procurarem restabelecer os sistemas tradicionais de DI, aceitaram o sistema originalmente desenvolvido pelos europeus, limitando-se apenas a tentar obter a revisão de algumas regras específicas que se opunham aos seus interesses.
A revisão foi
realmente a posição generalizada dos países em desenvolvimento com relação às
normas internacionais que não lhes eram favoráveis. Entretanto, é muito mais difícil generalizar o
posicionamento teórico
dos Estados Afro-Asiáticos do que o dos socialistas, já que os primeiros países
não formam um bloco ideológico ou político e carecem de uma ideologia comum. Há
certos fatos, no entanto, que se pode afirmar serem comuns à grande maioria dos
países Afro-Asiáticos em relação ao DI.
Em primeiro lugar, desde que a
maioria destes países obteve a sua independência a partir de 1945, eles tendem
a demonstrar, de fato, a sua independência. Por isso, soberania e independência
são as palavras mais preferidas pelos políticos e juristas destes países em
relação ao DI. Para garantir a independência, estes países utilizam também as
palavras cooperação, paz, compensação, assim como meio,
aproveitando as organizações internacionais e formando inúmeras organizações
regionais.
Em segundo, os países Afro-Asiáticos
estiveram, na sua maioria, submetidos à dominação estrangeira durante o período
de formação do DI. Por este motivo específico, eles não desempenharam nenhum
papel na formação do DI. Por esta razão, alguns países reclamaram que eles não
se submeteriam às normas internacionais de cuja formação eles não participaram.
Entretanto, na maioria dos casos, a política destes países com relação às
normas internacionais foi a de negociar a alteração de normas obsoletas ou a de
criar novas normas vantajosas para eles. A forma de negociação mais utilizada
foi o aproveitamento das organizações internacionais. De fato, desde 1973 estes
países têm negociado com os países industrializados, no âmbito das organizações
internacionais, em particular, sob a UNCTAD, para conseguir os seus pedidos, como, por exemplo, a Nova
Ordem Econômica Internacional, o Direito ao Desenvolvimento, a herança comum da
humanidade, etc..
A partir da Primeira Guerra Mundial a estrutura
da sociedade internacional vem sofrendo profundas alterações que,
consequentemente, pressionaram a mudança de paradigma do DI. Entre os vários
fenômenos têm-se a proibição do uso de
força militar e a manutenção da paz e segurança internacional através da organização sistemática da sociedade
internacional. De fato, o paradigma do balance
of power do século XIX esgotou a sua utilidade na manutenção da paz
internacional. E a exposição das sociedades internas ao constante aumento das atividades
internacionais fez com que o antigo paradigma fosse substituído por um novo,
que é o SN e a ONU.
Os vários defeitos da ONU vêm sendo corrigidos
através das experiências empíricas desta sociedade internacional. Ao mínimo
cinco décadas de funcionamento da ONU provam a sua utilidade. Isso se deve
muito ao esforço da ONU e dos Estados membros de fazerem a sistematização da
sociedade internacional, para que ela funcione conforme a regra de lei. O trabalho
pela codificação do DI é a prova
deste esforço. A maioria das normas internacionais provêm do costume
internacional. Desde que a complexidade das atividades internacionais pudessem
induzir a aplicação abusiva destas normas costumeiras, a codificação foi um
meio para garantir a estabilidade da vida internacional e obrigar os
participantes internacionais a se comportarem conforme o DI. As experiências
sucessivas das Conferências de Haia de 1899 e 1907, e da Comissão do Direito
Internacional da ONU, na codificação de áreas importantes, como relações
diplomáticas, direito dos tratados, etc., entusiasmaram os Estados a fazerem
diretamente as elaborações de novos códigos nas áreas mais novas, onde têm-se
poucas normas costumeiras, através de conferências
internacionais ad hoc,
funcionando como se fossem um mecanismo legislativo internacional. As novas
áreas do DI, como direito internacional econômico, direito do espaço, direitos
humanos, direito do mar, meio-ambiente, etc., são exemplos que foram e estão
estando os novos meios de codificação do DI. Estes novos fenômenos, como
consequência, diminuem o poder do Estado na sua jurisdição, já que o DI está
presente em toda a sociedade internacional.
Por outro lado, apesar desta brilhante evolução
do DI, existem alguns fatores preocupantes. Nas áreas econômicas, a
interdependência das economias nacionais é orientada pelas experiências dos
países industrializados. Ou seja, as regras que estão implantadas e são
discutidas originaram-se da experiência daqueles países, como nas áreas de
comércio exterior, concorrência, investimento, financiamento, meio-ambiente,
propriedade intelectual, etc. A internacionalização induz a abertura dos
mercados internos e ao livre mercado. O problema é que na falta de um governo
supranacional ou internacional, que possa controlar alguns abusos de poder
econômico dos participantes e possa garantir a distribuição justa entre ricos e
pobres, a dependência econômica dos países em desenvolvimento é irremediável.
As crises financeiras asiáticas e latino-americanas sinalizam novos desafios à
este sistema internacional. A prova deste problema é que nenhum Estado pobre se
tornou rico durante cinco décadas da existência do atual sistema
internacional.
Nas áreas não-econômicas, os países membros
permanentes do Conselho de Segurança tendem a estragar o sistema de segurança
da ONU. Várias intervenções militares com justificativa humanitária foram
realizadas por estes países. De fato, apesar dos fundamentos legais alegados
por estes países sobre as atividades militares, estas sempre causam polêmicas
teóricas que, no final, arranham a credibilidade do DI. É chegada a hora de se
discutir a criação de uma força da ONU prevista na Carta da ONU.
Neste ambiente internacional, onde se cruzam o
uso e abuso dos poderes econômico e militar, os estudiosos vem desenvolvendo
várias teorias durante este período. As escolas do jusnaturalismo e do
positivismo ainda estão com muita influência. Considerando-se a atuação dos
juristas, a influência do positivismo é a dominante, atualmente. Entretanto, a
sua distinção é muito difícil, já que dificilmente se encontra a extremidade
das duas teorias tradicionais hoje em dia. Entretanto, a tendência mais perigosa
para a independência do DI como uma ordem legal internacional, é a visão e
análise não-jurídicas, com base nos fatos da sociedade internacional. Este
pensamento não jurídico tem aceitação fácil, porque os Estados ainda veêm o DI
como um elemento jurídico separado do seu sistema nacional. Os países se
recusam a se submeterem ao sistema legal internacional e pretendem aproveitar
estas normas como um meio de justificativa legal da sua política internacional.
Vejamos algumas novas teorias sobre o DI.
Os professores da universidade Yale, o jurista Myres S. McDougal e o cientista
político Harold D. Lasswell, desenvolveram
a teoria da política-orientada (policy-orientated)
que foi batizada de escola de New Haven[37]. Eles vêem o DI como o fluxo
constante da authoritative
decision-making, na qual os argumentos legais são, tão somente, um fator
entre vários fatores legais e não-legais. Ou seja, o DI não é apenas o
conjunto das normas internacionais. Ele é visto no contexto do processo de
decisão autoritária, em cuja base se incluem não somente o fator jurídico, mas
também os fatores não-jurídicos. Esta teoria visa facilitar a formação do DI e
a sua utilização pelos Estados. Entretanto, ignora o próprio valor legal do DI.
É muito útil para a análise da aplicação do DI na realidade. Muitos
positivistas, dos países da tradição dualista, aceitam esta teoria. De fato,
esta análise realista
influenciou muitos juristas, incluindo, até, muitos juristas dos países em
desenvolvimento. Por outro lado, há uma crítica dura, principalmente pelos
juristas positivistas europeus, pelo fato que a teoria abandonou o próprio
conceito de lei e regras legais. O professor Richard Falk, da universidade de Princeton, e o professor W. Michael Reisman foram outras figuras
importantes que utilizaram a metodologia da escola de New Haven.
Existem outros juristas que também se
esforçaram em frisar as relações íntimas entre direito e política. Charles de Visscher[38], belga, aplicou o método
sociológico na análise do DI. E. Giraud
e M. Merle, franceses, e Schwarzenberger,
inglês, estabeleceram os seus pensamentos nexta mesma linha de contexto. George Scelle,[39] francês, analisou a sociedade
internacional sob o ponto de vista da sociologia. Ele iniciou sua teoria
estabelecendo que qualquer sociedade é formada pelos indivíduos. A sociedade
internacional também é a sociedade dos indivíduos e, no final das contas, o DI
aplica-se diretamente aos indivíduos. Por isso, o DI deve ser droit des gens. O Estado não é uma
entidade independente, ele é simplesmente um órgão administrativo para assistir
serviços públicos necessários à comunidade internacional. A comunidade
internacional deve caminhar na direção de se realizar plenamente a sua
solidariedade, sem a interferência do sistema estatal. Atualmente, a função da
sociedade internacional é exercida através de dois princípios: hierarquia das
ordens e dédoublement fonctionnel.
The
New Stream[40] foi desenvolvido pelo professor de
direito da universidade Harvard David
Kennedy, que, na verdade, aplicou no DI o¡®Critical Legal Studies¡¯ bem popularizado na década de 80 pelos
juristas do Leste dos EUA para a análise do direito interno. Conforme David Kennedy, a chave para se
desenvolver o estilo da análise legal
é a compreensão das ideologias escondidas atrás da lei, bem como das
atitudes e estruturas, deixando-se de lado a sua literalidade. A idéia tem
afinidade com a teoria Marxista, já
que esta escola vê as leis e políticas construídas na base de ideologias
escondidas.
Além destas teorias do DI dos juristas
ocidentais, há um esforço acadêmico para se entender a variedade da concepção
do DI no mundo, dividida por ideologia, religião ou história. Assim, a teoria Marxista[41] foi bem discutida durante a Guerra
Fria. Após o final desta e da dissolução da União Soviética, os teóricos
socialistas têm aceito o DI moderno em geral, entretanto, não parece ser muito
durável esta mudança. Os países asiáticos como a Coréia, o Japão e a China têm
a sua própria posição sobre o DI, em geral, com um ponto de vista pragmático. E
os países islâmicos aumentam a sua
presença no DI, baseando-se na força religiosa.
Como já frisamos
ocasionalmente, o grande perigo ao desenvolvimento do DI é o entrosamento dos
pensamentos não-jurídicos do DI e a não aceitação do próprio valor do DI como
um sistema legal internacional. O DI tem sido tratado como uma área acadêmica
para todos. Os que têm interesse pela relação internacional têm participado
para o estudo do DI, contribuindo, de uma forma ou de outra, para a formação do
DI. Os principais contribuintes foram diplomatas, políticos, juristas,
cientistas políticos, profissionais das relações internacionais, economia
internacional, direito internacional, etc.. Desde que a principal fonte do DI é
o tratado, as práticas dos Estados são a prova principal do costume
internacional, e as políticas do governo são adotadas para o interesse nacional,
vários fatores legais e não-legais são considerados para a política do Estado.
Como se salientou na explicação das características do DI, os Estados não
respondem diretamente pelo interesse da sociedade internacional. As políticas
dos Estados priorizam os interesses nacionais, sendo beneficiada,
ocasionalmente, a sociedade internacional. Na elaboração da política exterior,
ele analisa os vários fatores relevantes com base na ordem legal nacional e não
na ordem legal internacional. As normas internacionais são consultadas como um
dos elementos relevantes para se legalizar a política do Estado. O Estado não
pretende reconhecer o valor normativo da ordem legal internacional. Os
não-juristas não se interessam por esta ordem legal internacional, já que o objetivo
e finalidade deles são a formação da política do governo e a sua crítica.
Existe, também, a influência
negativa dos positivistas, voluntaristas e dualistas, pela qual o Estado vê o
DI como uma ordem legal diferente da ordem legal nacional. A valorização da
ordem legal internacional depende da vontade dos Estados que deram maior
contribuição na criação dela. Durante quase 400 anos o DI tem formado um
terreno sólido, composto por normas cujos valores foram testados durante muito
tempo. Ele já tem a sua própria vida e autonomia. O que falta é a força executória. O sistema
de sanção voluntária é ainda válido nesta sociedade. Apesar da falta da sanção
forçada, é necessário o reforço do sistema judiciário internacional para
continuar a produzir as normas internacionais e para consolidar ainda mais a
ordem legal internacional.
A globalização, palavra mais citada na década de 90, tem mudado de
novo a estrutura da sociedade internacional. A globalização pode ser resumir em
uma condição: liberalização dos mercados internos e do movimento do capital. A
globalização assentou-se na sociedade internacional como uma nova ordem
econômica internacional (versão dos países industrializados, ao invés da dos
países em desenvolvimento) dirigida pelos Estados Unidos.[42]
A teoria de liberalização é clara.
Os países em desenvolvimento, que sofrem crônicamente a escassez de capitais,
podem acessar o capital dos países industrializados, e os consumidores podem
comprar produtos bons e mais baratos, desde que as empresas produzam os seus
produtos nos lugares mais competitivos, para vendê-los em qualquer canto do
mundo. Em fim, a eficiência dos capitais e a eficiência na produção dos
produtos podem aumentar o bem-estar do ser humano, como a Carta da ONU queria.
Entretanto, a globalização está
enfrentando uma crise, que começou pela crise asiática, em julho de 1997,
passando, posteriormente, para a Rússia e a America Latina. A liberalização dos
capitais internacionais foi a principal causa da crise asiática, que demonstrou
que uma crise regional pode facilmente se tornar mundial. O sistema econômico
internacional, sustentado pelo sistema Bretton Woods, com o suporte dos órgãos
tripartidos, FMI, BIRD e GATT, não funcionou bem nessa crise regional.
No ponto da vista do DI, este
fenômeno é visto no contexto da transição da mudança da estrutura da sociedade
internacional. O DI tem sofrido várias transformações, conforme as mudanças da
sociedade internacional. Entretanto, o que se vê agora, ou seja, a globalização,
é a transformação mais profunda na história do ser humano. O problema é que
mudou-se as regras da economia internacional sem se mudar a estrutura. O mundo
é composto por mais de 200 Estados, onde cada um tem o seu próprio sistema
legal. Abrir esta fronteira significa expôr a economia nacional local. Abrir toda a fronteira, na qual
qualquer um goze de plena liberdade é uma idéia boa. Entretanto, para se ter o
resultado desejado, este princípio de liberdade deve se adaptar à situação da
sociedade internacional. O governo de cada Estado tem a responsabilidade de
manter a integridade da sua sociedade e aumentar o bem-estar social do país. O
sistema jurídico de um país tem a finalidade de sustentar esta função do
governo. Por isso, a lei nacional é politicamente orientada para os objetivos
do Estado, e o governo é responsável pela administração destes objetivos. O
princípio da liberdade é exercido dentro deste objetivo orientado do Estado.
No caso da sociedade internacional,
onde não existe um governo supranacional que possa estabelecer os objetivos da
sociedade e administrar este processo, o DI não serve como um parâmetro de
realização dos objetivos da sociedade internacional. Nenhum Estado dá o seu
consentimento no processo legislativo internacional especialmente para o bem
social da sociedade internacional. Para o Estado, o seu objetivo político é o
bem da sociedade nacional e o compromisso internacional serve a este bem da sua
sociedade. O bem comum da sociedade internacional é o resultado derivado e secundário.
A manutenção atual do bem-estar da sociedade internacional dá-se ao compromisso
tácito dos Estados de cuidarem da sua jurisdição interna. Por isso, o DI,
infelizmente, não é objetivo-orientado. Aqui está o problema fundamental das
normas internacionais, que carecem de uma orientação à contribuição social. A liberalização
internacional das atividades econômicas livrou dos Estados a responsabilidade
fora da fronteira. Já que o sistema de Bretton
Woods, sem autoridade internacional, não consegue controlar este sistema,
não existe meio de se controlar os capitais voadores. Ou seja, a sociedade
internacional se encontra em uma situação na qual existem direitos mas sem
responsabilidade. Consequentemente, o DI fica com dois problemas a serem
respondidos imediatamente: estabelecer as normas internacionais que cobrem o
outro lado do direito, ou seja, a responsabilidade à justiça social, e a
criação de uma autoridade supranacional que administre estas normas
internacionais, controlando a política objetivo-orientada dos Estados no
contexto do bem da sociedade internacional. Tudo isso requer uma mudança nas
características tradicionais do DI, conforme evolui a sociedade
internacional.
[1] Bibliografia M. A. Kaplan and N. de Katzenbach, The Political Foundations of International
Law, 1961, chs 1, 2 and 13; Luis Henkin, "International Law and the
behavior of nations", Recueil des cours, vol. 114, 1965, pp.171-276; Luis
Henkin, How Nations Behave, 2nd ed.,
1979; J.G. Merrills, Anatomy of
International Law, 2nd ed., 198; John A. Perkins, The Prudent Peace: Law as Foreign Policy, 1981; Peter Malanczuk, Akehurst¡¯s Modern Introduction to
International Law, 7th ed., 1997; D.J. Harris, Cases and Materials on International Law,
3rd ed., Sweet & Maxwell, 1983; Covey T. Oliver, Edwin B.
Firmage, et.al., The International Legal
System, Cases and Material, 4th ed., The Foundaton Press, 1995
[2] MELLO, Celso D. Albuquerque. Direito Internacional público.11¨£ ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.63
[3] Entretanto, este ponto de visto positivista não refletia completamente a realidade daquela época, desde que Santa Sé (The Holy See) que foi tratado como se fosse um Estado independente, insurgents e algumas organizações internacionais como a OIT, gozavam limitadamente a personalidade legal internacional.
[4] Michael Akehurst, A Modern Introduction to International Law,
5th ed., 1985, p.1.
[5] MELLO, Celso D. Albuquerque. ob.cit.p.63.
[6] MELLO, Celso D. Albuquerque. loc. cit.
[7] I. Brownlie, Principles of Public International Law, 4th ed., 1990
[8] MELLO, Celso D. Albuquerque. ob.cit.p.63.
[9] Robert Y. Jennings, International
Law, EPIL II (1995), pp.1159-78, p.1165.
[10] art.35 da Carta da ONU
[11] art.34, para.1, do Estatuto da CIJ
[12] Veja o análise de Rosalyn Higgins sobre a natureza e função do direito internacional neste ponto de vista, Rosalyn higgins, Problems & Process – International Law and How we use it, Oxford University Press, Oxford, 1995, pp.1-16.
[13] H. Spruyt, The Sovereign State and its Competitors, 1995
[14] R.P. Anand, Sovereign Equality of
States in International Law,
197RdC (1986), pp.13-228
[15] Art.33(1) da Carta da ONU
[16] Retorsão (retorsion) é o ato legal cujo objetivo é injuriar o Estado que praticou o ato ilegal, por exemplo, cortar a ajuda econômica. Esta medida é legal, já que não há obrigação de ajuda econômica.
[17] Represália (reprisal) é o ato normalmente considerado ilegal, sendo, entretanto, legal quando usado em represália ao ato ilegal cometido por outro Estado.
[18] H.J. Morgenthau, Politics among Nations. The struggle for
Power and Peace, 1948; H.A. Kissinger, Diplomacy,
1994
[19] Sobre o problema de enforcement de obrigações
internacionais, Ver: P. Van Dijk, ¡°Normative force and effectiveness of
international norms¡±, GYIL30(1987), p.9; A.P. Rubin, ¡°Enforcing the Rules of
International Law¡±, Harvard ILJ34(1993), pp.149-61
[20] Peter Malanczuk, Akehurst¡¯s Modern
introduction to international law, 7th ed., Routledge, 1997, p.6.
[21] Referente aos textos constitucionais, ver: (http://www.uni-wuerzburg.de/law/) e (http://www.charter88.org.uk/politics/links/).
[22] Ver o processo na CIJ: (www.icj-cij.org/)
[23] MELLO, Celso D. Albuquerque. Direito Internacional Americano, Renovar, 1995, p. 10
[24] E. R.J. Dupuy (ed.), The Future of International Law in a
Multicultural World, 1984; A. Cassese, International
Law in a Divided World, 1986
[25] Texto in:
(http://www.un.org/Overview/Charter/contents.html)
[26] Oscar Schachter, International Law in Theory and Practice,
1991, p.1.
[27] L.A.N.M. Barnhoorn, K.C. Wellens
(eds.), Diversity in Secondary Rules and
the Unity of International Law, 1995.
[28] W. Preiser, History of the Law of
Nations: Ancient Times to 1648, 2EPIL(1995), 716-49
[29] Apud: Peter Malanczuk, p.9.
[30] Ver, A.-M. De Zayas, Westphalia,
Peace of (1648), 7EPIL(1984), 536-9
[31] Ver, F. Münch, Vienna Congress
(1815), 7EPIL(1984), 522-5.
[32] A. Vagts e D. Vagts, Balance of
Power, 1EPIL(1992), 313-5
[33] Tailândia a partir de 1939.
[34] P. Malanczuk, Monroe Doctrine, 7EPIL(1984), 339-44.
[35] Albuquerque Mello, Direito Internacional Americano, Renovar
[36] J.A. Barberis, Les Règles
spécifiques du droit international en Amérique Latine, 235RdC(1992-IV), 81-227.
[37] Bibliografia Myres S. McDougal and Harold D.
Lasswell, The Identification and Appraisal of Diverse Systems of Public Order,
AJIL 53 (1959); Frederick S. Tipson, The Lasswell-McDougal Enterprise: Toward a
World Order of Human Dignity, Virginia JIL 14(1974), 535-585; Myres S. McDougal
and M. Michael Reisman, International Law in Policy-Oriented Perspective, in
Ronald St. J. Macdonald and Douglas M. Johnston (eds.), The Structure and Process of International Law, 1983, 103-130;
Phillip R. Trimble, International Law, World Order and Critical Legal Studies,
Standord Law Review 42(1990), 811-845; (http://www.ila.ambranch.org/news.htm)
[38] Charles de Visscher, Théories et Réalités en Droit International
Public, Pedone, 1979, pp.86-109
[39] G. Scelle, Précis de droit des gens, Principes et Systématiques, Paris, 1931
[40] Bibliografia Robert J. Beck, et.al. (eds.), International Rules: Approaches from
International Law and International Relations, Oxford Univ. Press, 1996;
David Kennedy, Theses about International Law Discourse, German YIL 23(1980);
David Kennedy, Review of Louis Henkin¡¯s How Nations Behave, Harvard ILJ
21(1980), 301-331
[41] Bibliografia T. Schweisfurth, Socialist
Conceptions of International Law, EPIL 7(1884), 417-424; B.S.Chimni, International Law and World Order: A
Critique of Contemporary Approaches, 1993; V. Kartashkin, The
Marxist-Leninist Approach: The Theory of Class Struggle and Contemporary
International Law, In: Macdonald and Johnston (eds.), The Structure and Process of International Law, 1983, 79-102.
[42] No foro de Davos (WEF) de janeiro de 1999, usou-se o termo globalidade (globality) em vez de globalização (globalization), reconhecendo-se esta como fenômeno não mais como processo.
[HMJ1](2Â÷´ëÀüÀü±îÁö´Â ±¹°¡°£ °ü°è¹ýÀ¸·Î ÀνÄ)
[HMJ2](Á¤ÀÇÀÇ º¯È: 2Â÷´ëÀüÁß ¹üÀ§È®´ë¿Í ÁÖüȮ´ë)
[HMJ3](²ÙÁØÇÑ º¯È, Á¤ÀÇÀÇ ¾î·Á¿ò)
[HMJ4](±×·¯¸é ¾î¶»°Ô Á¤ÀÇÇØ¾ß Çϳª)
[HMJ5](°³ÀεéÀÌ ±¹Á¦È°µ¿ÇÏ¸é¼ ±¹Á¦¹ýÀû¿ë)
[HMJ6](±×·¯³ª ¹ýÀÇ º»ÁúÀº º¯ÇÏÁö ¾ÊÀ½)
[HMJ7](¸ñÇ¥¾ø´Â °¡Ä¡Á߸³Àû ±Ô¹ü)
[HMJ8](Àڷ±¸Á¦¼ö´Ü)
[HMJ9](±¹Á¦¹ýÀÇ ÀÌÇØ´Â ±¹Á¦¹ýµ¶¸³ÀûÀÎ Ãø¸é¿¡¼)
[HMJ10](±¹Á¦»çȸÀÇ ¼º°ÝÀÌ º¯ÇÏ¸é¼ ±¹Á¦¹ý¹üÀ§º¯È)
[HMJ11](¿¬±¸¹üÀ§È®´ë)
[HMJ12](´Ù¾çÈ´Â ÅëÀÏȹ®Á¦ Á¦±â)